Contribuição para o debate interno da Frente Popular em Ijuí
Por Honorato Pasqualli, contabilista
Uma das tradições mais arraigadas do gaúcho é sua posição política. Tem características próprias e segue uma linha com certa lógica histórica. É fortemente ligada às lutas farroupilhas, o período Getúlio Vargas, a liderança de Leonel Brizola. Mas, Ijuí tem características mais especificas ainda, o movimento comunitário de base, a Fidene, os núcleos rurais, movimento que tem seu histórico registrado no livro Uma comunidade em busca de seu caminho, de Mario Osorio Marques e Argemiro J. Brum. Para se ter uma idéia, no ano de 1967, o Instrumento do Movimento Comunitário de Base, IEB, ministrou cursos para 839 pessoas, desde Alfabetização até corte e costura.
Em 1968, com o AI-5, o movimento abortou.
Se a organização popular ficou órfã de seus lideres originais, voltava a assumir a forma antiga, que continuava ativa, através das lideranças políticas acomodadas no MDB do antigo PTB, aos gritos de resistência de “viva o Brizola” em todos os encontros partidários. E agora facilitada por uma estrutura sólida e com embasamento teórico forjado nas centenas de reuniões pedagógicas na sua formação como organização comunitária reivindicativa.
Na historia de Ijuí, ficam evidenciadas estas características nas eleições municipais. Foram apenas dois períodos de interrupção. O primeiro tem um histórico próprio, cuja analise é muito longa e não significa uma ruptura no sentido amplo da palavra, pois o regime de exceção tornava as eleições totalmente atípicas, tanto pela censura a determinadas candidaturas, como o exílio dos principais lideres. Duraram oito anos com dois mandatos de prefeitos da arena. Um alardeava sua amizade com lideranças de oposição e o segundo sua condição de Getulista.
Apenas com um mandato do PP, em 2000, houve uma nova ruptura. Foram tão fortes as diferenças de postura que, após, Ijuí passou a ter apenas um caminho a seguir, optando entre o PDT, herdeiro histórico de toda a organização social arquitetada na década de 60 e que perdura em seu estilo até hoje no tipo de administração implementada pelo poder político, ou os partidos mais à esquerda, o PT e o PC do B. Assim, Ijuí se postou à esquerda, transformando os partidos de direita em insignificantes coadjuvantes do processo eleitoral. Um olhar mais atento para a região transforma Ijuí num oásis da esquerda.
Os partidos de direita em Ijuí tentaram manter suas posturas, acompanhando as orientações estaduais e federais, sem vingar junto à população. A maioria do eleitorado, inclusive os votos de direita, divide-se entre a esquerda do PDT e a esquerda da Frente Popular. Nenhum dos partidos nanicos tem candidaturas populares com apoio suficiente para modificar a polarização entre estas duas forcas. Não foi surpresa na ultima eleição o apoio explicito de lideranças do PP ao candidato da Frente Popular, num sentimento de anti-PDT ou tentativa, através de uma nova ruptura no quadro político, viabilizar um crescimento.
Mas como explicar assim a eleição e a votação do PMDB nas eleições federativas?
Se perguntar para um eleitor do PDT uma explicação para esta postura, pois votou no PDT para prefeito e vereador e agora vota no PMDB para deputado, a justificativa fica restrita à atividade profissional do candidato e a seus serviços comunitários, nada mais, em nenhum momento ao seu partido político. Não tem, portanto, nenhuma raiz na decisão das eleições municipais, é um voto que não se transfere de uma situação para outra.
O Pasquim, certa feita, ao analisar uma derrota em 16 estados da Arena e as retumbantes vitórias municipais deste partido, mostrou um Jeca Tatu, com uma palha no canto da boca dizendo: “é simples, aqui nos vota a favor, lá nos vota contra”. É a lógica popular que se espalha e forma o eleitorado, é independente de lideranças e partidos, não é atingida pelos comícios e campanhas, e se forja no dia a dia das comunidades divididas em suas opiniões, mas que têm um consenso comum de interesses e afinidades.
Este consenso é forjado no dia-a-dia, as pessoas conversam, em bares, em clubes, em jogos de cartas, de bocha, de futebol; nas festas de igreja, nas reuniões das associações, etc. E o candidato tem que provar sua afinidade com estas lógicas populares. A diferença de Ijuí com as demais comunidades está exatamente no histórico das organizações populares e neste aprendizado de quatro décadas. A afinidade deste tipo de postura popular com partidos políticos coloca as esquerdas como as opções da população.
Diante deste quadro, existiria em Ijuí uma massa eleitoral de direita? Nas eleições municipais esta massa eleitoral posicionada à direita não decide nada. Deve representar 10% do eleitorado. Apesar do apoio de lideranças à Frente Popular nas ultimas eleições, votou no PDT porque é ideológica e não de manobra política. Jamais votaria mais à esquerda, muito menos num candidato comunista ou no partido do Lula, um operário sem “pedigree”, sem universidade e que possivelmente não saberia se postar junto à Rainha da Inglaterra.
Nas ultimas eleições estaduais ficou evidente este consenso, quando lideranças do PDT apoiavam a candidata do PSDB e o candidato do PT venceu as eleições com larga margem em Ijuí. Eram votos do PT? Não. Era o consenso popular. Nas ultimas décadas, para o município de Ijuí, o melhor governador foi Olívio Dutra. Nem a imprensa massacrante consegue mudar isto. Nem os colunistas de Zero Hora, nem a rede globo têm poder para modificar a histórica quando o povo consegue discernir entre os interesses da comunidade e os interesses de suas empresas. Nem o posicionamento do Prefeito eleito alterou o quadro que era evidente. E parece que nem o PT entendeu.
Estamos em 2008 e se avizinha uma nova eleição municipal. Convivi durante anos com os períodos pré-eleitorais, quando os “líderes” decidem as alianças e as candidaturas. Onde os históricos são esquecidos e alguns interesses particulares, que alguns chamam de partidários, fazem parte de discussões. Assim se forjam equívocos monumentais que marcam a historia. A aliança do PTB de Brizola com o PRP de Plínio Salgado, alguém entendeu? Só quem sabia que o Perachi, adversário de Brizola, fora chefe de policia e perseguira imigrantes alemães e italianos durante a guerra, recolhendo rádios e os perseguindo com seus capangas, imaginaria tal cena.
Alianças, em 2008, entre qualquer das duas forcas de esquerda, sólidas no município, de um lado o PDT com seu candidato natural e a Frente Popular, com qualquer partido de outras tendências, não tem qualquer importância política e não são decisivas. Tentar romper a seqüência de governos do PDT aliando-se mais a direita será um erro histórico cujas conseqüências perdurarão por décadas e de difícil retorno. Não há um motivo histórico relevante para isso. Não há uma postura popular que justifique qualquer retorno para disputa entre direita e esquerda em Ijuí. Não há qualquer fato concreto que determine o fim da polarização entre partidos de esquerda. Não existe nenhuma evidencia histórica de que o apoio de lideranças de direita a um dos candidatos venha a alterar a disputa.
O eleitorado de direita em Ijuí, repito, é ideológico. Nenhum líder de direita poderá alterar esta postura. Nesta polarização, este voto é PDT. Contudo é como uma planta Bonsai. Cultivada no fundo das residências que não cresce. O voto popular é uma massa crescente e, em Ijuí, de esquerda. E aqui, a frente popular cresce do Oeste para o Leste. E, se houver uma ruptura de poder, este se dará à esquerda. Nas ultimas eleições, já havia alcançado a Penha, o Modelo, o Colonial e como uma mancha vermelha se arraigando nos bairros tradicionais e rompendo com a estrutura do poder. A historia se forma por décadas e só a paciência pode levar à vitória. Uma aliança oportunista com feições eleitoreiras, sem qualquer afinidade ideológica ou de princípios, tem um destino certo e tem nome: repúdio.
Por outro lado, há algum fato concreto, em nível nacional, estadual e, principalmente, municipal, para alterar o quadro partidário? Existe alguma liderança municipal ligada aos partidos de direita (PMDB, PP, DEM entre tantos) em ascensão que possa alterar o quadro sucessório? Alguma ameaça a esta polarização? Uma ameaça que justificasse uma aliança entre o PDT, o PT e o PCdoB? Uma ameaça da envergadura da eleição de um Peracchi para o povo? Não.
Uma justificativa sólida em que o PDT assumindo uma posição de direita perca totalmente o apoio popular e sua postura à esquerda no tratamento dos movimentos populares, tratando-os como caso de polícia e apelando para a repressão com a convocação de forcas de repressão?Uma justificativa sólida, desta envergadura, que tenham de ser chamados para a frente popular partidos como o PMDB? Não.
Por outro lado, havendo em Ijuí esta polarização, há como impedir que os interesses do PMDB se afinem com uma candidatura que, embora mais a esquerda, lhe interesse na disputa municipal? Não. Portanto, se concordarmos com as respostas negativas, porque PCdoB releva o apoio do PT e cede espaço na chapa majoritária ao PMDB? A idéia, parece, é viabilizar a disputa. Seria necessário aprofundar este entendimento. A frente popular pode ter um candidato nato, mas não a é dono da Frente Popular. Se este fato se concretizar, está desfeita a frente e o nome deve ser modificado. Contudo, a tarefa depende da postura do PT.
Se o PT valorizar o apoio do PMDB, se o PCdoB aceitar imposições deste mesmo PMDB, ambos serão cúmplices do fim da polarização entre partidos de esquerda em Ijuí. Simbolicamente, poderemos citar a questão da vice-prefeitura, transformada em queda de braço. O PCdoB erra em aceitar e o PT erra em torná-lo importante.
E se o PT fizer aliança com o PDT e o PCdoB com o PMDB. Ambos se transformam em nanicos, porque a estrutura partidária do PDT em Ijuí é infinitamente superior e o PT vai circular num eleitorado desconhecido e diferente ideologicamente, com uma historia conflitante com suas posições. Ouvirá discursos de oposição ao governo de Lula, postura do PDT no Rio Grande do Sul, mais radicais do que aqueles proferidos pelo PMDB. Saberá que o PDT de Ijuí é anticomunista extremado e que chega nesta postura a aproximar-se da extrema direita. Verá também um partido assistencialista e que jamais cederá qualquer espaço, senão para forjar suas próprias lideranças. Verá vereadores com milhares de votos, com amplas condições de disputar eleições majoritárias por décadas e, se não houver uma força política alternativa, se perpetuar no poder. Que espaço postula o PT neste território? Que, por sinal, o PCdoB e alguns membros do PT já circularam e, pelo jeito, não querem retornar.
A aliança do PCdoB com o PMDB cedendo postos na majoritária inverterá a situação atual dos partidos, pois o principal partido de apoio será o segundo. Só tem um ganhador, o PMDB. A significativa votação nas eleições majoritárias do candidato da frente popular só é viável como opção de ruptura e não representa um avanço do partido, nem cria novas lideranças ao PCdoB. Ganha o PMDB porque invade o eleitorado de esquerda. Qual o discurso do PMDB nos palanques? Antilula? Antiunijui? Comunista? Gritará viva o PCdoB? Não.
Terá o nome do candidato e fará oposição ao PDT. Só. E, acabando com a polarização de esquerda, viabilizará um candidato de direita nas próximas eleições. Aí, sim, com o voto ideológico em suas mãos. Pior, com trânsito livre nas camadas populares da frente popular. Sem esquecer que o tamanho do PMDB em nível estadual e federal transformará o governo do PCdoB num fantoche nas mãos experientes dos políticos de direita. Um governo atropelado pela petulância, arrogância e autoritarismo dos aliados.
O PCdoB, ganhando sem o PT, não terá quadros nem gente para ocupar a estrutura administrativa da prefeitura. A expectativa popular é que o PT permaneça na Frente Popular e lute pela indicação na chapa majoritária, impondo seu candidato a vice. O PMDB está se candidatando a fazer parte desta frente e deve ser aprovado pelos dois partidos. Portanto, a primeira decisão é a manutenção da frente, aprovação de novas alianças a posteriori.
Que o PT permaneça na Frente Popular, apesar dos movimentos do PCdoB! Que se poste na mesa de negociações e vete até o ultimo momento a candidatura do PMDB na majoritária! Que se forme a mais ampla frente de oposição municipal, mas que não se prejudique com negociações de cargos a bipolarização histórica! Que à cada posição haja uma justificativa popular! Só o PT tem quadros novos e fortes. Só o PT tem quadros para o contraponto do futuro. O PCdoB está jogando sua cartada decisiva. Talvez a última. O PT é o partido líder da Frente Popular. Sua estrutura é maior que a sua votação. Este é o seu ponto positivo. Isto é futuro!
Quem serão os candidatos nas eleições, de 2012? Esta decisão deve ser tomada hoje."