Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo na Visão de Milton Santos: Marajoaras, onde nos encontramos neste jogo[1]?
Belém, 26 de janeiro de 2015.
Caríssimos e caríssimas,
Milton Santos, marajoaras, é um dos principais geógrafos de todos os tempos, reconhecido internacionalmente. Baiano de origem pobre, Santos tornou-se uma referência universal na análise dos efeitos de modelos econômicos capitalistas no dia a dia da população menos favorecida, a grande maioria nestes bilhões de habitantes que somos. Este estudioso ajudou a quebrar a caracterização com que se dividia o mundo no período de 1950 até os anos 1990, marcado então pelo Primeiro Mundo (Bloco de países liderados pelo capitalismo dos Estados Unidos), Segundo Mundo (liderados pelo Socialismo da União Soviética) e Terceiro Mundo (formado pelos países ditos subdesenvolvidos encontrados principalmente no Hemisfério Sul). Foi a ladainha que ouvi enquanto aluno, de um enorme preconceito entre as nações, reduzindo-nos. Saber o caminho que levou a humanidade após o fim da Guerra Fria e entender a influência deste evento em outros países e seus territórios, como no caso do Marajó, é uma forma de nos posicionar diante dos processos em curso. Aqui vai minha pá de provocação e disposição às críticas que surgirem. O importante sempre é a reflexão.
Com a voz agora predominante do antigo bloco formado pelos Estados Unidos, criou-se campo fértil para ideologias que finalmente pudessem levar a cabo o que o capitalismo mais desejava e que é a sua essência: chegar ao cúmulo de si mesmo. Uma dessas tentativas chama-se Globalização. Uma de suas ferramentas metodológicas: Neoliberalismo. O azeite desta engrenagem: a Mídia. E foi no momento que a voz de Milton Santos me explicava[2] sua visão sobre a nova polarização do planeta humano, percebi como devemos nos identificar cada vez mais fortemente como Marajoaras. Como Marajó! Pois é na nossa identificação e valorização de nossa origem que pode estar uma das formas de melhorar nossas condições de vida, cidadã acima de tudo. Isso passa pelo entendimento do que se passa em nosso tempo. O geógrafo novamente aponta para três mundos: Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo.
O Primeiro Mundo desta vez é o mundo que a Globalização deseja convencer à você e à mim, de beleza, de ostentação, de cartazes, do carrão, da comunicação, da comida, da roupa chique e da “hora”, da atriz, do ator, do cantor e da cantora, estes quatro últimos não propriamente talentosos, porém adaptados a nos enviar uma mensagem que ganhar financeiramente é o ideal na vida. O Homem não seria mais o centro do Universo, e sim o Dinheiro. É um Primeiro Mundo que mostra que lá fora, que a cidade cosmopolita e ultracapital, que os outros são melhores. Empresas multinacionais apostam alto e tem lucrado na mesma proporção para chegar a mim e a você a nos seduzir, com sucesso muitas vezes temos que admitir. São enxurradas de comerciais. São filmes hollywoodianos a fazer bilhões de pessoas consumirem aquilo que lhes é de interesse. Para isso, é lançado o filme e o livro do filme, num piscar de olhos que tiram a vontade aos poucos, de ler e atentar para a arte que nos cerca. Tudo, dinheiro e propaganda estão bem entrosados para manter o estado de coisas. Não é à toa que nas últimas pesquisas do PNUD, órgão que monitora a situação social dos países, 1% apenas da população (elite) será detentora em 2016 de 50% de toda a riqueza mundial. É um jogo de máscaras internacional que tem enriquecido os mesmos jogadores e dado valor à Renda Per Capita(renda por cabeça) em detrimento do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) para demonstrar o que importa neste tabuleiro que vivemos e sobrevivemos. Uma disputa em que você é apontado como jogador, cujas regras não são claras e são cochichadas por aqueles que irão te fazer perder. Aparentemente libertário, democrático, mas te subtraindo sem que saibas. Tudo combinado.
O Segundo Mundo é dito por Milton Santos como o da realidade. A Globalização como ela é na verdade. Da exclusão, da marginalização, de especulação, das milhares de pessoas retiradas de seus lares por novos projetos, apesar dos estudos socioeconômicos e ambientais mostrarem que outras vias seriam possíveis e menos impactantes. Porque tá na cara que projetos hidrelétricos tem como maior incentivador a indústria do cimento e do ferro, isso os impulsiona, não a capacidade de geração de energia. Aliás, é sim para gerar energia, mas não para os municípios paraenses a princípio, e menos ainda para os moradores daqueles municípios que não estão na cidade. Não, se quer saber, Belo Monte não foi feito para o povo. Altamira é testemunha, terceira cidade mais violenta do país. Prometeram mundos e fundos, só o saque restou. Não, Energia alternativa não é prioridade. Na Ilha das Araras, em Curralinho, existe um projeto de geração de energia solar, gerenciada por empresa privada que atua em todo o Pará com o aval do Governo Federal, através do Ministério das Telecomunicações. Deixa ver se eu entendi: projeto de energia alternativa, de fonte gratuita sob controle de empresa privada de considerável porte? Então foi feito para não dar certo tal iniciativa. Diante da Globalização, somos nós marajoaras, meras caricaturas de turismo aqui e ali, televisionadas no sul-sudeste de que aqui é tudo é paraíso e exótico. Sim, a Globalização em mídia novelesca quando nos visitou, tentou passar isso. Sorte que existem outros canais mais responsáveis que tentam mostrar o que de fato acontece.
E assusta ver feijão e milho que não geram outras plantas e que são dominadas por uma indústria planetária, a Monsanto. Porque assusta ver a agricultura familiar no Nordeste Paraense ser afundada pelo agronegócio, enganando muitos agricultores pela promessa “a gente planta dendê em sua terra, você praticamente não fará nada e ganhará com isso...”. O que ganhou afinal? Se a característica principal do trabalhador rural é a sua autonomia, sua liberdade, diria que muitos vêm procurando donos, grilhões. Ou estamos acostumados com isso? Com um Estado Brasileiro empossando uma ideóloga que combate o direito dos povos indígenas como a atual Ministra da Agricultura, está arredada a cortina: é o interesse da bancada ruralista mais forte para diminuir mais ainda aquilo que é básico para os povos da floresta e agricultura familiar. Eu besta sonhava ver a EMBRAPA realizando pesquisas no Marajó nos próximos 4 anos. Mas a EMBRAPA é do Ministério da Agricultura. É uma ciência que já tem endereço. Eu ainda aposto que em 8 anos as prefeituras conseguirão atender os 30% mínimos de compra da produção local para a merenda escolar. É a luta da tapioca do norte contra o biscoito do sul. É a luta para uma criança beber água de qualidade na sua escola, lá na sua comunidade. Somos, caros marajoaras, 500 mil almas como diria um sábio da região geradores de poucos votos. Poucos olhares governamentais. Poucos investimentos em mudança de estrutura. Em Chaves chegará o Linhão, um avanço que deve ser reconhecido. Entretanto, nunca vi lugar mais abençoado pelo vento. Vai soprar nossos cabelos e não chegará à tomada. Pra quê chegar isso? Não dá dinheiro, só bem-estar. Não é suficiente. Você vale o que você tem no bolso. Essa é dura realidade do Segundo Mundo dita por Milton Santos. Um fundamentalismo pautado no ganho financeiro. Cadê a Democracia?
Outra humanidade é possível. É o Terceiro Mundo do consagrado Geógrafo. Outra forma de Globalização que valoriza a reconhece as iniciativas locais. Que leva em conta o açaí nativo e sua importância social e ambiental para nossa região, não um simples novo produto-exportação mundial. Que visualiza ações concretas de educar o jovem peconheiro a saber ganhar e gastar seu suado dinheirinho na safra, longe dos diversos tipos de entorpecimento e prostituição. Que não tolera mais expropriações dos recursos naturais de forma irresponsável a endinheirar pessoas relacionadas com o Primeiro Mundo, o da ilusão para milhares, a fortuna para pouquíssimos. O Marajó sabe o que passou pelo palmito, pela madeira, pela borracha. Aprenderá a valorizar a si próprio? Contribuiremos para uma condição humana digna? Um Mundo em que o Ser Humano voltaria a ser Justificável perante a Ecosfera? Neste Terceiro Mundo tem economia, tem comercialização, mas tem justiça. Tem Natureza. Tem Cultura. Tem equilíbrio. Tem tolerância.
Milton Santos incentiva que todos sejam eternos estudantes para mudar a História, pois segundo ele, “a clarividência é uma virtude que se adquire pela intuição, mas, sobretudo pelo estudo...”. Ele se foi fisicamente em 2001, mas mostrou nos últimos olhares para a câmera a fé que tinha de que lá na frente será obtido este Terceiro Mundo.
Sim, porque outro Mundo é possível.
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[1] Nota: Recebi crítica e fiz autocrítica de que é preciso relatar o quanto trabalhamos pelo Marajó. Envio assim cartas aos amigos, a forma mais confortável que encontrei para dissertar. Só desejo a reflexão-ação-reflexão, nada mais.
[2] Quem quiser ver o documentário, procurar no sitehttps://www.youtube.com/watch?v=QNV9WJLQZqg
Belém, 26 de janeiro de 2015.
Caríssimos e caríssimas,
Milton Santos, marajoaras, é um dos principais geógrafos de todos os tempos, reconhecido internacionalmente. Baiano de origem pobre, Santos tornou-se uma referência universal na análise dos efeitos de modelos econômicos capitalistas no dia a dia da população menos favorecida, a grande maioria nestes bilhões de habitantes que somos. Este estudioso ajudou a quebrar a caracterização com que se dividia o mundo no período de 1950 até os anos 1990, marcado então pelo Primeiro Mundo (Bloco de países liderados pelo capitalismo dos Estados Unidos), Segundo Mundo (liderados pelo Socialismo da União Soviética) e Terceiro Mundo (formado pelos países ditos subdesenvolvidos encontrados principalmente no Hemisfério Sul). Foi a ladainha que ouvi enquanto aluno, de um enorme preconceito entre as nações, reduzindo-nos. Saber o caminho que levou a humanidade após o fim da Guerra Fria e entender a influência deste evento em outros países e seus territórios, como no caso do Marajó, é uma forma de nos posicionar diante dos processos em curso. Aqui vai minha pá de provocação e disposição às críticas que surgirem. O importante sempre é a reflexão.
Com a voz agora predominante do antigo bloco formado pelos Estados Unidos, criou-se campo fértil para ideologias que finalmente pudessem levar a cabo o que o capitalismo mais desejava e que é a sua essência: chegar ao cúmulo de si mesmo. Uma dessas tentativas chama-se Globalização. Uma de suas ferramentas metodológicas: Neoliberalismo. O azeite desta engrenagem: a Mídia. E foi no momento que a voz de Milton Santos me explicava[2] sua visão sobre a nova polarização do planeta humano, percebi como devemos nos identificar cada vez mais fortemente como Marajoaras. Como Marajó! Pois é na nossa identificação e valorização de nossa origem que pode estar uma das formas de melhorar nossas condições de vida, cidadã acima de tudo. Isso passa pelo entendimento do que se passa em nosso tempo. O geógrafo novamente aponta para três mundos: Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo.
O Primeiro Mundo desta vez é o mundo que a Globalização deseja convencer à você e à mim, de beleza, de ostentação, de cartazes, do carrão, da comunicação, da comida, da roupa chique e da “hora”, da atriz, do ator, do cantor e da cantora, estes quatro últimos não propriamente talentosos, porém adaptados a nos enviar uma mensagem que ganhar financeiramente é o ideal na vida. O Homem não seria mais o centro do Universo, e sim o Dinheiro. É um Primeiro Mundo que mostra que lá fora, que a cidade cosmopolita e ultracapital, que os outros são melhores. Empresas multinacionais apostam alto e tem lucrado na mesma proporção para chegar a mim e a você a nos seduzir, com sucesso muitas vezes temos que admitir. São enxurradas de comerciais. São filmes hollywoodianos a fazer bilhões de pessoas consumirem aquilo que lhes é de interesse. Para isso, é lançado o filme e o livro do filme, num piscar de olhos que tiram a vontade aos poucos, de ler e atentar para a arte que nos cerca. Tudo, dinheiro e propaganda estão bem entrosados para manter o estado de coisas. Não é à toa que nas últimas pesquisas do PNUD, órgão que monitora a situação social dos países, 1% apenas da população (elite) será detentora em 2016 de 50% de toda a riqueza mundial. É um jogo de máscaras internacional que tem enriquecido os mesmos jogadores e dado valor à Renda Per Capita(renda por cabeça) em detrimento do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) para demonstrar o que importa neste tabuleiro que vivemos e sobrevivemos. Uma disputa em que você é apontado como jogador, cujas regras não são claras e são cochichadas por aqueles que irão te fazer perder. Aparentemente libertário, democrático, mas te subtraindo sem que saibas. Tudo combinado.
O Segundo Mundo é dito por Milton Santos como o da realidade. A Globalização como ela é na verdade. Da exclusão, da marginalização, de especulação, das milhares de pessoas retiradas de seus lares por novos projetos, apesar dos estudos socioeconômicos e ambientais mostrarem que outras vias seriam possíveis e menos impactantes. Porque tá na cara que projetos hidrelétricos tem como maior incentivador a indústria do cimento e do ferro, isso os impulsiona, não a capacidade de geração de energia. Aliás, é sim para gerar energia, mas não para os municípios paraenses a princípio, e menos ainda para os moradores daqueles municípios que não estão na cidade. Não, se quer saber, Belo Monte não foi feito para o povo. Altamira é testemunha, terceira cidade mais violenta do país. Prometeram mundos e fundos, só o saque restou. Não, Energia alternativa não é prioridade. Na Ilha das Araras, em Curralinho, existe um projeto de geração de energia solar, gerenciada por empresa privada que atua em todo o Pará com o aval do Governo Federal, através do Ministério das Telecomunicações. Deixa ver se eu entendi: projeto de energia alternativa, de fonte gratuita sob controle de empresa privada de considerável porte? Então foi feito para não dar certo tal iniciativa. Diante da Globalização, somos nós marajoaras, meras caricaturas de turismo aqui e ali, televisionadas no sul-sudeste de que aqui é tudo é paraíso e exótico. Sim, a Globalização em mídia novelesca quando nos visitou, tentou passar isso. Sorte que existem outros canais mais responsáveis que tentam mostrar o que de fato acontece.
E assusta ver feijão e milho que não geram outras plantas e que são dominadas por uma indústria planetária, a Monsanto. Porque assusta ver a agricultura familiar no Nordeste Paraense ser afundada pelo agronegócio, enganando muitos agricultores pela promessa “a gente planta dendê em sua terra, você praticamente não fará nada e ganhará com isso...”. O que ganhou afinal? Se a característica principal do trabalhador rural é a sua autonomia, sua liberdade, diria que muitos vêm procurando donos, grilhões. Ou estamos acostumados com isso? Com um Estado Brasileiro empossando uma ideóloga que combate o direito dos povos indígenas como a atual Ministra da Agricultura, está arredada a cortina: é o interesse da bancada ruralista mais forte para diminuir mais ainda aquilo que é básico para os povos da floresta e agricultura familiar. Eu besta sonhava ver a EMBRAPA realizando pesquisas no Marajó nos próximos 4 anos. Mas a EMBRAPA é do Ministério da Agricultura. É uma ciência que já tem endereço. Eu ainda aposto que em 8 anos as prefeituras conseguirão atender os 30% mínimos de compra da produção local para a merenda escolar. É a luta da tapioca do norte contra o biscoito do sul. É a luta para uma criança beber água de qualidade na sua escola, lá na sua comunidade. Somos, caros marajoaras, 500 mil almas como diria um sábio da região geradores de poucos votos. Poucos olhares governamentais. Poucos investimentos em mudança de estrutura. Em Chaves chegará o Linhão, um avanço que deve ser reconhecido. Entretanto, nunca vi lugar mais abençoado pelo vento. Vai soprar nossos cabelos e não chegará à tomada. Pra quê chegar isso? Não dá dinheiro, só bem-estar. Não é suficiente. Você vale o que você tem no bolso. Essa é dura realidade do Segundo Mundo dita por Milton Santos. Um fundamentalismo pautado no ganho financeiro. Cadê a Democracia?
Outra humanidade é possível. É o Terceiro Mundo do consagrado Geógrafo. Outra forma de Globalização que valoriza a reconhece as iniciativas locais. Que leva em conta o açaí nativo e sua importância social e ambiental para nossa região, não um simples novo produto-exportação mundial. Que visualiza ações concretas de educar o jovem peconheiro a saber ganhar e gastar seu suado dinheirinho na safra, longe dos diversos tipos de entorpecimento e prostituição. Que não tolera mais expropriações dos recursos naturais de forma irresponsável a endinheirar pessoas relacionadas com o Primeiro Mundo, o da ilusão para milhares, a fortuna para pouquíssimos. O Marajó sabe o que passou pelo palmito, pela madeira, pela borracha. Aprenderá a valorizar a si próprio? Contribuiremos para uma condição humana digna? Um Mundo em que o Ser Humano voltaria a ser Justificável perante a Ecosfera? Neste Terceiro Mundo tem economia, tem comercialização, mas tem justiça. Tem Natureza. Tem Cultura. Tem equilíbrio. Tem tolerância.
Milton Santos incentiva que todos sejam eternos estudantes para mudar a História, pois segundo ele, “a clarividência é uma virtude que se adquire pela intuição, mas, sobretudo pelo estudo...”. Ele se foi fisicamente em 2001, mas mostrou nos últimos olhares para a câmera a fé que tinha de que lá na frente será obtido este Terceiro Mundo.
Sim, porque outro Mundo é possível.
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[1] Nota: Recebi crítica e fiz autocrítica de que é preciso relatar o quanto trabalhamos pelo Marajó. Envio assim cartas aos amigos, a forma mais confortável que encontrei para dissertar. Só desejo a reflexão-ação-reflexão, nada mais.
[2] Quem quiser ver o documentário, procurar no sitehttps://www.youtube.com/watch?v=QNV9WJLQZqg