Devaneio 01

14 de janeiro, 2015.

Adoraria deixar de viver agora. Ou melhor, deixar de sobreviver. Se vivesse, certamente não teria tal desejo.

É um vazio tão devastador que sinto; um desconforto, insegurança. Solidão. Infelicidades as quais me fazem escrever com lágrimas nos cílios. O papel já está com algumas poças. Seria mais apropriado digitar, mas aqui continuarei...

Melancolia e sofrimento sempre fizeram parte de mim, de certa forma. Mas há momentos em que isso se sobrecarrega e o sentido é perdido, juntamente com a essência. Tudo fica preto e branco; preto e branco tudo fica. São duas das cores que mais gosto.

As pessoas não te conhecem, ou se esqueceram de quem você é. Na verdade, até mesmo você encontra-se um pouco confusa em relação a si mesmo.

Minhas lágrimas cessaram na oitava linha.

Já pensei em tantas formas patéticas de haraquiri, vulgo suicídio, e minha desculpa é sempre a falta de coragem. Mas há uma desculpa maior.

A garotinha sorrindo para mim, com o braço esticado apontando para um pássaro com manchas amarelas que acaba de cessar voo em um galho tortuoso. Ela levanta da grama e se aproxima dele, e volta seu olhar para mim, animada. O pássaro pousa em seu braço - pele branca feito neve -, e ela abre a boca ao mesmo tempo que ergue as sobrancelhas.

Seus negros olhos brilham e suas pálpebras encostam-se mais rapidamente do que o normal, para não perder um instante sequer daquele momento.

O pássaro move-se lentamente do braço até seu pequeno ombro, e voa. Ela abre seu sorriso com dois dentes faltando e vem correndo em minha direção, com seus cabelos balançando alegremente, quase que com vida própria. "Você viu, mamãe?! Você viu?"

E essa é a minha maior desculpa por não cometer qualquer bobagem equivocada. Eu a amo tanto... E ela nem existe ainda. Mas alegro-me por demasiado em saber que há pessoas que são felizes com seus filhos - embora acredite que felicidade seja um sentimento, assim como estar com fome.

Talvez não consiga dar as melhores roupas de marcas coloridas e famosas, ou então comprar os brinquedos da Fisher Price, mas darei todo meu amor e dedicação. Darei minhas horas de sono, darei boa parte de minha atenção; darei meu colo quando tiver pesadelos, e meus ouvidos para ouvi-la narrando empolgadamente algo que viu na rua. Darei minhas mãos para levá-la à escola e meu abraço quando retornasse para casa. Mas, acima de tudo, darei meu amor mais puro e sincero que guardo aqui, carinhosamente, dentro de mim.

Mesmo com esse desejo infeliz citado no início, flores ainda me fascinam; o aroma da grama logo após uma breve garoa em um dia ensolarado ainda me seduz drasticamente; os sons e texturas, gostos e cheiros. Ainda clamo por um dia com tudo isso, onde eu possa deitar-me sobre o solo de algum parque vazio e suspirar lenta e profundamente, sentir a terra entre os dedos e o vento acariciando-me o rosto. E então tudo estará bem, e esse maldito desejo não passará de um passado incerto e conturbado. Não sobrarão sementes para esses velhos sentimentos; sobrarão sementes apenas para um novo futuro.

Xícara de Café
Enviado por Xícara de Café em 14/01/2015
Código do texto: T5101971
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