Lutar Por Mais Um Dia

Eu nunca imaginei chegar ao ponto de ter um revólver na mão e ter a coragem de o disparar contra mim mesmo, por isso acho que atingi um ponto sem retorno na minha vida, aquele momento em que já não vale a pena lutar por mais nada. Sento-me na secretária a olhar pela janela, vejo a chuva a cair sobre a varanda e tento encontrar momentos na minha vida passada, momentos felizes, momentos que me façam voltar atrás e, nada…

Sinto um nó na garganta, sinto-me triste, sinto-me péssimo, bem acho que me sinto normal para quem está prestes a acabar com a própria vida. Devem-se estar a interrogar, para quê acabar com a própria vida? Eu respondo. Para começar eu também pensava assim, pensava que era estúpido alguém se suicidar, mas agora compreendo, vejo agora que tudo faz sentido. Já não desfruto dos raios de sol pela manhã, já não me consola um sorriso de uma criança, por isso acabou-se. Já não vejo algo porque deva lutar, nem tu querida Beck, nem tu Mary. Já nada me salvará, nem mesmo deus.

Tudo o que deixarei nesta vida de bom és tu, minha querida filha Beck, que, quando cresceres, se leres estas palavras quero que saibas o quanto te amei, nunca amei nada na minha vida que se compare ao amor entre um pai e uma filha. Por isso, querida Beck, nunca duvides do meu amor, apesar de eu não ter sido o pai que tu mereceste e de o Jordan ser um melhor pai do que eu, nunca na tua vida subestimes o amor que sinto por ti e não consideres aquilo que o pai fez um ato de covardia, é só que para algumas pessoas a vida é muito dura. A vida é dura para quem é mole.

Mary, devo-te um pedido de desculpas por ter sido um péssimo marido, não fui o homem que desejaste nem o homem que mereces. Culpo-me a mim e só a mim por não ter sido bom o suficiente.

Sinto que está na hora. Tenho só o arrependimento de morrer com remorsos e o sentimento de culpa sem nunca ter resolvido os meus problemas, morrer como um falhado que perdeu a guerra com a vida. Ainda não acredito que vou fazer isto, não sei se sou capaz, penso naquilo que vou perder se me suicidar, pois a vida continua mesmo sem mim. Bem, espero alguns choros no meu funeral, mesmo que hipócritas, espero alguns realmente sinceros. Gostava de estar vivo para ver como o mundo reage à minha morte, bem, ou se calhar acho que é melhor eu não ver porque poderia não gostar daquilo que presenciaria.

Vou ser poético e acertar com uma bala no coração, quero que seja uma morte rápida sem dor, mas sem tiros na cabeça pois vou doar o cérebro à ciência, ah. Bem, mesmo a segundos de morrer o ser humano consegue fazer piadas sobre si mesmo, isto é mesmo poético.

Tenho medo da morte, pois é o fim, sem uma segunda oportunidade, o fim da minha existência, e depois? Vou deixar de sentir, nunca mais irei viver, nunca mais irei apreciar as boas coisas deste mundo, um raio de sol pela manhã, um sorriso de uma criança, o sorriso de muitas crianças!

Bem, não, se calhar devo lutar por mais um dia. Vou sair lá fora correr à chuva e dizer à minha filha Beck o quanto a amo, o quanto ela significa para mim e que nada mais neste mundo importa do que vê-la sorrir.

Sérgio Peixoto
Enviado por Sérgio Peixoto em 07/01/2015
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