Você merecia mais

Há uma porção de coisas que eu te diria se você aparecesse hoje. Ontem eu não podia e amanhã talvez seja tarde demais. Ando tristíssima, pior que tudo, em mim ronda aquele sentimento de desorientação e eu tenho a impressão de que as palavras não ditas vão me engolir qualquer noite dessas.

Tenho a impressão de ter me fechado em uma bolha de ar só minha, onde nesses cinco meses me escondi e amontoei todas as palavras que queriam ter saído e ficaram. Às vezes fico tão cansada de segurá-las que me acalmo dizendo que surgirão oportunidades e que vai haver paz, amor e que vai dar certo dessa vez. A gente se engana de vez em quando que é pra que as coisas fiquem mais leves, você me entende? Não me recrimino por isso, apesar de estar sempre parecendo que estou esperando algo e dando o ar de gerúndio à nossa relação.

Acho que tenho que te pedir desculpas, foram tantas mentiras, atrasos, esperas... Te dei motivos, não te culpo por nada que tenha feito. Os meus gestos involuntários de repelir todas as nossas aproximações desencadearam o processo de distanciamento final que se mantém até hoje. Eu não queria que fosse assim, mas não consigo controlar meus impulsos. Naquela época eu sentia tanto medo, parece incrível ainda estar viva quando já se parece ter chegado ao fim do poço com tamanha força e aspereza. Cheguei ao meu limite e estranhamente não sinto dor e nem mais medo, não há mais nada aqui além desse amplo vazio e de algumas palavras atrasadas que coloco agora nessa carta.

Há alguns meses fui presenteada com você e com essa possibilidade de amor. Ou quase amor. Não sei como nomear o que tivemos – talvez isso justifique ser de fato amor -. Senti tanto, era bom estar dentro daquilo e no começo eu nem hesitei e fui. Você me ofereceu tantas coisas lindas, era mais do que eu podia te dar, era mais até do que eu tinha para oferecer a alguém. Eu tinha tanto medo do reconhecimento dos olhos, da pele, da alma. Sei que nada de mal me aconteceria enquanto estivesse dentro do teu campo mágico magnético, mas me doía a ideia de pensar que quando as almas se encostassem você pudesse perceber que eu era muito pouco perto de você.

Eu, que confiava tanto nos meus processos de intuição e que dizia sempre tudo bem, tudo bem, sei o que estou fazendo, me permiti estar dentro de você sem controle. Enquanto estivemos juntos a vida foi boa e eu não tinha necessidade de comandá-la. Você sempre vai viver nas minhas memórias, eu estou quase certa de que não pode haver ninguém em lugar algum tão bom quanto você.

Depois de perder os freios ao seu lado, caí em mim e nos processos de negação e preocupação. Em luta, me partia o coração ter que te deixar, mas, por favor, me entenda: você merecia mais. Tentei me concentrar em uma daquelas máximas sobre ter feito a coisa certa ou o que não era pra ser não é. Não é mesmo. Não fomos.

Hoje eu queria ter te dito algumas dessas palavras todas só para que entendesse e que me perdoasse por tudo. Melhor assim. Melhor ter ido embora com a certeza de que só uma pessoa saiu verdadeiramente machucada e essa pessoa fui eu. A dor de quem parte – com vontade de ficar – é infinitamente maior do que a de quem fica, eu não minto.

Cuide de você, se preserve não se permita entrar em histórias mal escritas com pessoas individualistas.

De longe eu te desejo amor, mesmo sem compreender se já posso te ver sendo feliz com alguém que não seja eu. Aos poucos você vai entender algumas coisas sobre a vida: ela continua. Continue também.