Tia Ana

Querida tia, espero que este postal lhe encontre com saúde, que seja esta carta mensageira da paz dada por Deus aos homens e mulheres de bom coração.

Que revolva em teu coração aquele sentimento puro que permeia as almas irmãs, que o amor eterno da família te salte as letras e encha teus olhos de brilho, que a mim, como um filho, te tornem a lembrar.

Ai, que saudades que tenho de ti! Saudades antigas, saudades amigas, saudades de agora, senhora, saudades de sempre, saudades que aqui em meu peito resignado, choram, vida que segue.

SOBRE O TEMPO

Todos nós estamos em marcha, seguindo, sonhando, vivendo. A vida é um caminho, viver é caminhar, (chorar) [não chore], o caminho é o fim, quiçá, mais que chegar. O tempo anda, corre, voa.

Antes eu me esforçava para entender que tudo passa, que tudo é fase (nem tudo), que estamos mais próximos a cada dia de perceber os sinais fatais do tempo.

Ainda estou me acostumando a ideia de ser adulto, há um Q de solidão que comove e encanta, me encontra com medo; de encontro ao ensejo, fui sincero como não se deve ser; que vais pensar de mim?

Penses que sou aquela criança viva que povoava vossa casa há décadas atrás, que enchia o saco de graça, enchendo o saco da vida, pois saco vazio não para em pé! Pulando, e cantando; Será que Deus nos dá as crianças para aperfeiçoar em nós a sabedoria, coragem e fé?

Agora penses que estou mais alto, mais forte, mais bonito (isso é por minha conta). Efeitos do tempo, defeitos do tempo. Nada volta atrás. Nada.

SOBRE AS LÁGRIMAS

A dor nunca mais será a mesma. Encarar a morte, sobreviver. Eu não aprendi a superar a dor da partida, ainda, e sempre. Quem vai, vai, pra sempre, quem fica, fica até o fim, choroso. Quando o vovô morreu eu não chorei, nenhuma gota salgada, eu não soube. Quando eu soube, eu morri também. Também vi minha vida indo embora, e agora essas olheiras (já companheiras) dão o ar do que sobrou. Um pouco de mim se foi ...... desapareceu. Ainda choro. Não sei o que dói mais, tudo ou os detalhes, no dia em que Mário me contou da morte do meu Avô Augusto, eu até que escutei o que ele falava, mas saber assim por telefone um mês depois, me matou, e eu morri. Lágrimas e soluços, sem velas.

SOBRE VIVER

Tenho em mim a perturbação mais profunda do homem moderno, o medo de perder tempo, e é assim que vivo, perdendo tempo com medo de perder tempo. Estou agora contando vinte e tantos anos, já não sei, ou mais precisamente, já não quero contar. Penso em Júlio Cesar, Einstein, Hitler, Ronaldinho (o Fenômeno), Renato Russo, Lula, Mano Brown, Michel Teló, Planeta Ane, terráqueos... Minha condição humana tão limitadora e desafiante. Preciso aprender a viver para poder morrer como um homem e ter um velório digno. Por enquanto sinto um frio do gelo que vem do meu coração, como se fosse possível enterrar um monte de brasas no meio da neve e esperar que o fogo derreta a neve a sem apagar-se, ou que a neve apague o fogo sem derreter-se. É mesmo uma lanterna, mistura de lamúria com sei lá o quê que alumia apenas um passo de cada vez.

SOBRE O ÓDIO

Eu sinto o ódio mais profundo que nunca pensei que seria capaz. Sei que agora sou capaz de matar. Isso é uma certeza tão devastadora que me faz desesperar o coração, meu bom e pobre coração, humilde coração, bendito coração, que reza ainda na esperança de conservar intacto ao menos dez por cento de minha inocência. A verdade é que filmes de guerra e canções de amor são hoje a tradução da minha soul, apesar dos pesares e do peso do mundo, flutuo atualmente ( e espero que seja temporário) alienado do caos da minha capital, da desordem da minha sociedade, tentando, conquanto, viver o amor que sobra do ódio dos meus irmãos. Eu já fui atropelado, já atiraram em mim com arma de fogo, já me golpearam com pedras e paus, mas algumas palavras me doeram mais que coronhadas e a ingrata abscisão. Por mais que eu erga a minha voz para agradecer a sensação de felicidade de matar quem me matou, é maior o silêncio, é maior a minha solidão.

Gratidão será um dia objeto de um texto exclusivo, não pode figurar como atriz principal em meio a palavras tão pesadas, pesa minha cara, pesa minha coragem. Estou falando de ódio! Queria mesmo me libertar, queria...

1,2,3,4,5,6,7,8,9,10

Além de carta, isto está virando verdadeira farofa de memórias, alucinoses, lágrimas cretinas, sangue querendo verter.

Merecer, parecer, perecer.

Palavras que talvez agora não façam sentido, palavras hesitantes, queridas e irritantes... Por enquanto estou aqui, vivo, ao vivo. Na mais profunda reflexão que já fiz em minha vida, muito embora ao azo da idade e da morte, chego a conclusão que ainda não sei dizer o que quero dizer, que ainda não consigo respirar profundamente sem sentir a fumaça que me odeia e que me mata, que ainda me dói o simples fato de saber que tanta gente vive sem ter como viver, sem ter o que comer, que quero cuidar de mim, dos meus, dos nossos. Quanto vale a vida? Quero fazer da minha vida pelo menos uma ponte de união entre nós.

Drachir
Enviado por Drachir em 14/12/2014
Código do texto: T5068801
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