Adeus Pai

Nem sei por onde começar esta carta tem tanta coisa pra te dizer, mas como você, sou melhor escrevendo do que falando.

Quando eu era pequeno sempre gostava de estar perto de você, tenho poucas lembranças da minha infância, mas por incrível que pareça a maior parte dela você está presente tantos nos momentos bons quanto nos ruins. Lá pelos meu 12 13 anos tinha você como meu herói, tinha orgulho de falar de você pra meus amigos. Coisas do tipo: -Meu pai é forte, joga bola, é pescador, bate em qualquer um. Lembro que quando tu te separaste da minha mãe gostava muito de ir pra tua casa no finde, lembro também que em muitos destes findes em que eu ia pra tua casa pra ficar com você tu saia pra ir pro centro e eu ficava lá com a minha vó.

À medida que fui crescendo, fui amadurecendo e vendo que as coisas não eram bem assim. E aquele cara que era meu herói se tornou um vilão, e percebi que tudo aquilo que eu achava não existia, mas minha inocência não deixava ver quem você realmente era. Chegou minha adolescência minha vida se tornou uma loucura varias loucuras e fomos aos poucos nos afastando. Essa parte é a que menos tenho lembranças, minha cabeça passou por muitas coisas. Quando cheguei aos 20 não te via mais como antigamente a inocência se foi, mas meu coração sabia que tu eras meu pai e isso eu não podia (não posso) lutar contra. Você passou a aumentar o volume de bebida e como resposta ela foi ocupando cada vez espaço maior dentro da tua vida. Até chegar o ponto em que vida você não tinha mais, a bebida se tornou sua vida. Percebi isso no dia dos pais de 2012, o dia em que pedi pra você não beber, comprei o porta retrato, imprimi uma foto, escrevi uma carta, coloquei no porta retrato fiz a embalagem e fui te encontrar, quando cheguei e ti vi com o copo de samba na mão foi uma das maiores decepções da minha vida, - eu mal imaginava que outras ainda estariam por vim – foi muito frustrante e triste me senti menos do que o copo de cachaça que estava na tua mão.

Este ano de 2014 foi o pior de todos, começou quando tu me pediu ajuda pra internar você, fiquei feliz, esperançoso. Sempre pensei em chegar esse dia e já havia prometido pra mim que se tu tomasses essa decisão eu iria te ajudar de todas as formas como minha mãe fez por mim. Pois mesmo tendo consciência de que aquele pai não existia mais, a minha criança dentro de mim me fez acreditar que aquele “herói” poderia voltar, que um dia eu iria num jogo do nosso time do coração, que em um finde semana iriamos pescar, que em um domingo iriamos em um parque pra jogar uma bola, eu só queria ter meu pai de volta só isso ter meu pai devolta. Então fiz de tudo gastei dinheiro comprando coisas e colocando gasolina, matei aula pra ir te ver, abdiquei de ficar com a Carina pra ir te ver. Então três semanas depois de te internar recebo a ligação de que tu querias sair. Não acreditei achei que poderia te convencer a ficar achei mesmo, eu havia me iludido demais. E você saiu. Então um dia depois te encontro podre de bêbado, meu sentimento era raiva, frustação, e a criança dentro de mim estava chorando, pois viu que aquele pai não voltava mais. -Aquele dia foi um divisor de aguas-, na hora que você me deu o soco no nariz eu queria te matar, quando vi teu rosto e iria dar um soco nele, parece que aquela criança não deixou eu fazer, alguma coisa me impediu não sei. Mas aquilo me mudou, mudou minha relação com você, mas de uma forma mais profunda em como eu passaria a te enxergar a partir daquele dia. Tu perdeu meu respeito, não como filho, pois esse eu não tinha a muito tempo, mas sim respeito como homem, e o que eu disse aquela vez” tu morreu pra mim” eu levei aquilo a sério, eu nunca mais queria ver você, mas minha mãe pediu inúmeras vezes pra eu voltar a falar com você, não sabia como seria, mas voltei e me arrependi. Quando tu pediste pra ser internado pela segunda vez eu não acreditava mais, na verdade não acreditava (não acredito) em nada mais que tu falace que fosse fazer. Você saiu e bebeu, dessa vez eu não me decepcionei, eu não esperava nada. Dai veio à história do filho e essa merda me deu esperança novamente, porra uma família tu iria fazer novamente, o Magrão estava de dando uma nova chance e tu foi e colocou fora. De uns tempos pra cá eu não falava mais nada com ninguém das merdas que tu fazia, (apesar disso me fazer muito mal) isso é foda pensar que o cara que eu chamava de herói se tornou alguém que eu tenho vergonha de falar pros outros. Eu tenho vergonha do ti. Eu sempre tive noção das coisas que tu passaste na infância, na tua adolescência, sei que tu sempre levaste a vida de forma errada, mas isso não significa que tu fosse levar a vida toda de forma errada, pois tu também destruiu minha infância, as lembranças mais vivas que tenha dela e de você espancando minha mãe, a imagem mais triste que tenho na minha cabeça é minha mãe no banho me mostrando as marcas nas costas dos socos que tu passou uma noite dando nela comigo do lado, ouvindo absolutamente tudo. Talvez esse seja um dos fatores de eu ter me viciado, mas não seria motivo pra eu continuar. Parei e sempre me perguntei se eu parei por que ele não para? E você mesmo me respondeu não com palavras, mas com atitudes. Porque você não quis. Cometer o mesmo erro pela segunda vez não é erro é escolha. Você escolheu o álcool, escolheu seus “amigos”, escolheu a solidão, escolheu a tristeza, a vadiagem, a falsa felicidade que até mesmo você sabe que é falsa, mas mesmo assim consegue sorrir dentro deste bar que você recebeu essa carta. Todas escolhas a perdas, porem você escolheu mau e perdeu muita coisa, perdeu casa, perdeu carreira em empregos, perdeu empregos, perdeu a confiança das pessoas, perdeu amigos verdadeiros, perdeu a família, perdeu a dignidade e perdeu teu filho. Acho que perder não é a palavra certa, jogou fora se encaixa melhor.

Você se deu conta? Este ano faz 30 anos que tu fugiu de casa e foi morar na rua. 30 anos se passou e do jeito que você saiu está hoje, sem casa, sem família sem nada, com uma sacola de roupa e nada mais. Isso foi o que tu conquistou em 30 anos nada. Eu me dei conta disso dias antes de você aprontar a ultima (a gota d’gua por sinal), e eu iria te falar isso e te perguntar se tu achava que era isso que tu merecia, se não estava em tempo de aproveitar esse resto de vida de uma melhor forma, dai tu faz aquilo e novamente com atitudes me responde que não, não merecia.

Como sou muito otimista e gosto sempre de tentar ver o lado bom das coisas, por piores que elas sejam, consegui de tudo isso que vivi com você tirar uma coisa boa. Em como NÃO ser um pai, em como NÃO ser um marido em como Não ser um homem. E isso eu penso a muito tempo, esse é um dos motivos de eu não beber mais, o meu pior medo é ser como você no futuro. Essa carta é um desabafo final, pois minha vida está tomando um rumo onde a pessoa que você se tornou não pode estar presente. Este mês vou casar pai, está na hora de eu começar a construir minha família, preparar uma estrutura pra quando eu tiver meu filho eu ser o melhor pai do mundo, o mais presente, o mais exemplar, não sei se vou conseguir, mas uma coisa tenho certeza que vou tentar com todas minhas forças. Hoje a criança dentro de mim chorou muito novamente enquanto escrevia esta carta (dói muito mexer nessas coisas do passado), pois ela sempre vai estar à espera do “Herói” ela nunca deixou de acreditar naquele herói, mas coloquei ela pra dormir um sono bem profundo, pra não mais esperar.

Então é isso pai, por favor não me procure mais, não venha tentar fazer promessas eu não acredito mais nelas, viva a vida que você escolheu, pode ter certeza vai doer muito em mim também, mas irá doer menos do que quando você estava presente. Ao menos nessa carta consegui colocar tudo eu sempre quis te dizer, é um alivio. E as ultimas palavras que disse quando te entreguei essa carta será as ultimas delas também, Adeus Pai te amo.

Diego D Oliveira
Enviado por Diego D Oliveira em 10/12/2014
Código do texto: T5064520
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