O TEU CIÚME
O TEU CIÚME
(Ivone Carvalho)
Ridículo! – Era isso que eu pensava quando ouvia minhas amigas relatando suas crises de ciúmes que as transformavam em verdadeiros detetives em busca de alguma prova de que eram traídas pelo namorado, marido ou companheiro.
Ouvi histórias escabrosas, que revelavam auto-tortura, insegurança, complexos, traumas. A impressão que sempre ficava para mim é de que elas, talvez, sofreriam menos se encontrassem alguma mancha de batom ou algum bilhete no bolso da camisa ou na pasta, detectassem algum perfume diferente, encontrassem algum comprometedor canhoto de cheque, ouvissem, na extensão, uma conversa telefônica mais íntima com outra mulher ou até flagrassem o carro do marido entrando num motel ou o encontrassem abraçado com uma de suas melhores amigas.
É impressionante como a mente do ser inseguro, desconfiado ou até mesmo traumatizado por episódios do passado, consegue enxergar o que não existe, ouvir o que não é dito, julgar sem conhecer, interpretar da forma como o seu vício (sim, porque o ciúme vicia, além de ser uma doença) determina, deduzir segundo a sua criatividade ou experiências anteriores vividas, ou, quem sabe, o seu próprio espelho!
E não impressionam menos os caminhos que são percorridos em busca da terrível prova da imaginada traição. Tudo é válido para quem acredita que é traído! Disfarça-se a voz, muda-se a caligrafia, modifica-se o modo de escrever e o nome, inverte-se horários, questiona-se a uns e outros, vigia-se, persegue-se, compara-se tudo!
Nunca soube avaliar quem sofre mais: o suposto traído ou sua vítima! Não sobra tempo para falar de qualquer outro assunto, para se doar ternura, para se doar amor e carinho, para se partilhar momentos que poderiam ser de pura felicidade. O tema é único, em qualquer momento, em todo lugar, em qualquer situação! Esquece-se de viver! Esquece-se do amor! Esquece-se de si mesmo! A crença na traição abre abismos entre o casal, os separa, os transforma. Insisto: não sei qual dos dois sofre mais!
Destrói-se sentimentos puros, desgraça-se a felicidade, põe-se fim à alegria. Atos insanos, jamais esperados pela outra parte, se sucedem. E, no final, ambos feridos, magoados, sofridos. Não se distingue mais o que é amor do que é mágoa. Confunde-se cisma, medo, insegurança, rebeldia, atrevimento, mágoa, desconfiança, incerteza, probabilidade com possibilidade, com realidade.
O ser ciumento doentiamente desaprende o que é sorrir, esquece como se cumprimenta, não lembra sequer de dizer bom dia, obrigada, por favor, até logo. Aprende a usar palavras e termos ofensivos, e enquanto não sente que feriu o mais fundo da alma do outro, não cessa. Ele não se põe limites, mas dita regras, transforma em verdade o que seus olhos querem enxergar, o que os seus ouvidos querem ouvir, o que a sua mente quer acreditar. É um ser possessivo que não se dá conta que os seus atos e as suas palavras destroem qualquer tentativa de aproximação carinhosa, porque já a recebe com pedras nas mãos, com pulga atrás da orelha, com um pé atrás, aguardando uma nesga de espaço para desabafar a sua ânsia incontida de se mostrar o bom, o melhor, o certinho, em detrimento do outro que ele acredita ser o destruidor real da felicidade de ambos.
Enquanto ouvia minhas amigas contando suas cenas de ciúme, suas histórias, suas crenças diagnosticadas no seu instinto possessivo, eu dizia intimamente que, fosse eu seus companheiros, elas nunca teriam oportunidade de sofrer e de me fazer sofrer da forma como faziam com seus pares. A bem da verdade, eu sempre dizia: comigo será uma vez só, porque jamais daria oportunidade para uma segunda vez para a demonstração de desconfiança, de desconhecimento à minha dignidade, à minha reputação, ao meu conceito de moral. Uma única vez seria mais do que suficiente para que o outro sequer pudesse imaginar, a partir de então, sobre o meu paradeiro ou a minha existência.
Mas a vida me ensinou que não é bem assim. Que quando a gente ama, somos capazes de perdoar as mais graves falhas, os desmandos, os preconceitos, as ofensas, as agressões, porque o amor nos faz compreender a insegurança, os recalques, os complexos, os medos, os sentimentos de culpa, as atitudes impensadas que tantas vezes abrem feridas imensas que tanto custam a cicatrizar. Eu pensava que isso era coisa de mãe, só de mãe. Mas não é.
Certamente eu não compreenderia e não aceitaria a agressão física. Não, com isso eu não posso concordar! Sei hoje, mais do que nunca, que as palavras e as ações podem ferir muito mais do que golpes investidos com armas ou com as próprias mãos. Mas aprendi, também, que o ser humano é extremamente frágil e sensível, ainda que faça questão de se mostrar indiferente, calculista, sádico, grosso, mau, superior.
E, na sua fragilidade, na impossibilidade, por qualquer motivo (até mesmo por princípios), de agredir fisicamente, usa as palavras, todas que conhece, não importando sequer com o nível a que reduz a sua tentativa de mostrar estar com a razão, visando derrotar, humilhar, machucar, destruir o outro.
A magnitude das nossas virtudes se amplia quando nos tornamos capazes de reconhecer os próprios erros, de admiti-los, de nos desculparmos, de pedirmos perdão, de perdoarmos, de compreendermos a posição adotada pelo outro, tentando nos colocarmos em seu lugar, enxergando o que foi vivido por ele enquanto nos preocupávamos em julgá-lo. Amplia-se, ainda, quando nos conscientizamos de que somos pequenos demais para julgarmos quem quer que seja, até porque somos extremamente egoístas quando somos partes em qualquer lide, fechando os olhos e os ouvidos ao outro lado da história.
Por tudo isso e, certamente por muito mais, agradeço a Deus a imensa bênção de amar, de saber amar, de saber compreender, de saber perdoar. E, obviamente, por me sentir crescendo em cada momento da minha vida, ainda que essa evolução custe lágrimas, saudade, a solidão, a incompreensão, o silêncio, a ausência do perdão.
A maior bênção não é ser amado. É amar!