Silente alvoroço
Atordoado ainda não sei se só com a idade, mas foi muita acontecência prazerosa num período assaz curto - ainda que bem curtido, pra que rime e faça sentido, mas quero reiterar meu agradecimento e abraço amigo a V. e às garridas moças divinopolitanas que me trouxeram a satisfação de um encontro quase impensável. Fiat Luxcia Rodrigues, a Fernanda do Recanto!
Foi muito bom mesmo, meu caro JR revê-lo junto ao pessoal de casa, o quintal e as que tantas quitandas. E ainda a revelação do Monsenhor...Faltou pouco pra eu lhe surrupiar aqueles originais tão pescaminosos...como fizera ainda seminarista, pio e inimputável, com umas marcas de cigarros que fiz "suverter" à coleção do colega Osvaldo Eustáquio André de Melo, moço poeta da rua Oeste 108.
Vai aqui o texto sobre o Mons. a que me referi, acho de de 2004, sob o título Silente Alvoroço (não-revisado, nem publicado)
Já era Monsenhor, e ainda por cima Reitor do Seminário São José, mas se apresentava e assinava singelamente como Pe Hilton, tão-somente. Chegou a ganhar até uma comenda vaticana, um título eclesiástico que lhe parecia fantástico e orgiástico, que, contudo, guardava in pectore, depois de nô-la apresentar todo cheio si: O Sumo Pontífice, Paulo Sexto, em seus primeiros anos de papado, havia-o proclamado "Praelatus Domesticus".
Rimo-nos entre nós - e de lábios bem cerrados-daquela prelatura. Doméstico? Como? Um majordomo, dono-de-casa da Cúria, que já tinha seu augusto Prelado titular Cristiano Portella de Araújo Penna?
Mas foi uma das poucas, raríssimas, ostentações que pude registrar daquele homem de cenho carregado, sobrancelhas grossas, cabelos cortados bem à escovinha, caradura de Fernandel que tinha.
Suas batinas eram quase sempre claras e até seu automóvel e a piscina de seu sítio em Itaúna traziam as marcas do desprendimento: um fusquinha pé-de-boi, sem cromo algum, e o fundo de sua piscina, ao invés dos azulejos, aquele cimento lixento.
Exímio professor de Português, foi um dos mais notáveis mestres que tive, na facilidade e no ritmo compassado com que nos passava seus ensinamentos, apesar da modorra das tardes somente alterada pelo episódico cantar súbito e agudo do bando de saracuras três-potes , que algum vizinho do Seminário criava.
E o Monsenhor sabia animar suas aulas e as tornar leves e palatáveis ao mesmo tempo. Tinha apreço especial pela gramática histórica da língua e pela coluna de um jornalista, Alberto Deodato, que nos lia e comentava quase diariamente. Assim como nutria sua ojeriza declarada por um político que, pelo jeito, algo teria contra Maria. Ou a sacristia. João Herculino, seu nome de pia.
Fora da aula, voltava a mergulhar em sua expressão meditabunda e, quando lhe tocava reprimir algum desvio, malhar alguma ovelha tresmalhada, implacável se tornava no linguajar imprecatório e até na vermelhidão do rosto, sem dar chance ao menor encosto, a fim de causar o mais profundo desgosto.
Seus atos - litúrgicos - eram, nada obstante, seguidos com vivo interesse pela comunidade que frequentava a igreja, tanto na vizinhança do Seminário quanto nos arredores da Catedral, para onde o Seminário se transferiu no ano seguinte.
E na nossa ainda consentida semi-profanidade, dava gosto observar que algumas pias senhoras, que o teriam conhecido desde moço, seguiam-lhe as missas, os passos, com aquele silente alvoroço.