Nego-me remetente

Não há localização precisa, escrevo com o coração e traços incertos. O vento faz minhas mãos ondularem sobre o papel. Enquanto a chuva bate inquieta à janela e o céu parece fechar-se em um cinza furioso. A mesma chuva traz de volta o desespero daqueles dias que sucederam um primeiro cumprimento. Seus olhos castanhos-mornos, dos quais me lembro sempre que essas folhas teimam pairar dos galhos ao passeio da Matriz. Um dia, verdes, lindos; hoje, sem luz que os reacenda em vida. Não consigo ainda, tão somente, entender por que nossos caminhos, tão imprecisos, tornaram-se estreitos para que nos encontrássemos e, agora, vagamos sós entre pessoas tão vazias! Um dia, tivemos tudo. Nesse instante, levo na bolsa um batom vermelho, algumas culpas e a última lágrima derramada. Talvez, você deixe de existir n'alguns segundos quando meus pensamentos vagam num pretérito mais distante. Porém, por ódio. Não menos sentimento. Não menos vontade e desejo de contar sobre o meu dia, como costumávamos fazer. Trocando ideias sobre coisas tão banais mas cheias de paisagem interna. Cachorros ganhavam poderes fantásticos, ruas tornavam-se pequenas e o céu, vago, diante de tantas ponderações acerca da ordem e do caos. Hoje eu descubro: ordem e caos constituía-nos oscilante e inteiramente. Éramos iguais. Nos perdemos nessa certeza de que éramos tão recíprocos, tão cheios de uma dor metafórica, metafísica, dilacerante. Escrevíamos! Nos inscrevíamos em olhares cotidianos, nas pessoas que passavam e cismavam olhares demais porque, embora iguais, iguais numa óptica exótica. Muita beleza física e pouca luz de esperança. Seu coração era vazio como o meu. Pensei que conseguiríamos enche-los um ao outro. Me enganei tão imensamente! E nem mesmo imagino os motivos de escrever essas linhas. Sete meses eu me calei sem entender os desfechos, tão divergentes do começo mágico e apaixonante. Shakespeare mofaria numa prateleira qualquer se ousássemos narrar nosso começo. Camões exilaria-se! Poucas histórias, poucas estórias. Todas muito bem contadas. Mas para quê? Talvez, eu tenha encontrado agora as razões de traçar com tanta amargura e raiva essas palavras. Há nada mais que perguntas. A principal seria: Onde nos perdemos? Por que nos encontramos tão cheios de encantos se nos perderíamos nessa efêmera passagem? Nessa agonia vociferante? Nesse egoísmo sem nos permitirmos aceitar Amor e perdão? Em pseudo-traições, em gestos de ira e dor? Por que teimamos em permitir que nosso passado nos destrua com tanta arrogância? Por que sentimos, ainda, prazer em mascaram um Amor verdadeiro com amores de faz-de-conta, cheios de pó e ossos? Cadáveres de nós mesmos... É um desperdício escrever para falar sobre tudo que deixou de existir por culpa de sentimentos que nunca existiram senão em nossos sonhos masoquistas e alienados. É! Ainda somos iguais. A única diferença é que Eu amei você desde o primeiro dia e você não pôde recolher-se em amor um dia sequer por mim. Queria poder escrever aqui todas as vozes, os meus gritos, a minha revolta, minhas razões de frieza e desamor (assim você pensava). Nunca houve menos Amor, nunca houveram acusações, nunca existiram mentiras. Não minhas! Houveram comparações demais, pretéritos demais, sobrevivências desnecessárias de pesadelos que criamos como refúgios. Chego à uma conclusão: há um medo incorruptível de Amar. E onde aqui jaz estas letras, com elas minha esperança. Não serão textos e frases concisas que apagarão tanto mal. Nossas dívidas nos cercarão enquanto não as pagarmos. Somos devedores de nós mesmos...

Anna Beatriz Figueiredo
Enviado por Anna Beatriz Figueiredo em 12/11/2014
Reeditado em 12/11/2014
Código do texto: T5033150
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