Carta de uma terra distante

Nunca parti para longe de ti, mãe.

Nunca saí de ti, do teu ventre.

Nunca deixei as margens do kwanza, o som do kissange.

Nunca saí da baía de Luanda, da rebita da ilha.

Nunca esqueci a nossa Kianda.

Os caminhos são outros, mas o destino é sempre o mesmo, mãe, minha mãe Angola.

Tu és o meu destino.

Encontro Luanda nas ruas de Lisboa, na vida urbana do Rio de Janeiro, na rotina mestiça de Salvador da Bahia, no empedrado gasto pelos passos firmes dos nossos irmãos.

Ouço o som do vento das serras andaluzas e vejo que o verde é igual ao verde da Baixa de Kassanje.

Sinto o ar do nosso planalto, o riso das nossas crianças no riso das crianças dos outros, mãe.

O cheiro das flores dos jardins de Paris são iguais ao cheiro das flores dos pastos do Wako Kungo.

A fé nas igrejas de Roma é a mesma, acredita, mãe, a mesma crença, a mesma devoção das igrejas de Mbanza Congo.

A brincadeira juvenil nas praias de Ibiza é igual à brincadeira pura dos nossos jovens na Restinga e a nossa Benguela é sempre tão morena, como as praias morenas de todos os países do mundo.

Nunca fui para longe, Angola. Nunca saí do teu abraço terno, do calor das tuas estepes, do fervilhar orgulhoso do teu povo.

Levei-te comigo por todos os caminhos que percorri.

Brinquei contigo nas praias da Grécia, dançamos valsa em Viena e namoramos com o olhar num tango argentino. Fomos estudantes em Havana e descobrimos bibliotecas em Moscovo.

Perguntaram-me por ti, mãe, minha mãe Angola, se estavas bem e eu disse que sim. Disse que vives de sol e calor, disse que bebes a água fresca dos teus rios e corres livre e feliz pelas terras do fim do mundo.

Disse-lhes que, ao anoitecer, sentas-te calmamente a ver o teu oceano que é atlântico e depois adormeces ao som das ondas do mar.

Sabes, mãe, sabes Angola, trago-te sempre comigo.

Nunca te esqueço, nunca estou longe o suficiente para não te sentir no sangue que me corre nas veias.

Nunca, nunca mesmo, mãe.

Victor Amorim Guerra

5 Outubro 2014