A escada de Jacó - Carta 115
Carta n. 115
A ESCADA DE JACÓ
Um amigo, padre-religioso de São Paulo pede alguns subsídios
a respeito da figura da “escada de Jacó” que aparece no
capítulo 28 de livro do Gênesis.
Prezado amigo,
Paz e bem!
O episódio da “escada de Jacó” é um dos mais complicados do Antigo Testamento. Não existem muitas pistas para a interpretação desse texto nos rodapés das Bíblias, dicionários de hermenêutica ou enciclopédias de teologia bíblica. Esgotados os meios intelectuais o biblista tem que se valer da unção do Espírito Santo para se instruir e dirimir eventuais dúvidas de pregadores, pesquisadores e estudantes. Vamos juntos discernir o mistério que ainda era oculto ao conhecimento dos patriarcas da fé vivendo naquela época no sobrenatural de Deus.
A escada de Jacó, no hebraico, Sulam Yaakov (יעקב סולם) se refere àquela narrativa mencionada na Bíblia (Gn 28,11-19), que se caracteriza uma escada que foi imaginada pelo patriarca Jacó num dos seus sonhos, depois de ter fugido de uma luta com seu irmão Esaú. Jacó teve essa visão durante o sono, de uma escada, cujos pés repousavam sobre a terra, e o topo chegava aos céus. Na visão, anjos continuamente subiam e desciam através dela prometendo-lhe a bênção de uma numerosa e feliz posteridade. Quando Jacó acordou, ele estava cheio de gratidão, e consagrou o local como a casa de Deus. A descrição do episódio da Escada de Jacó aparece no capítulo 28 de Gênesis. Vamos ao texto:
Jacó deixou Bersabéia e partiu para Harã. Chegou a certo lugar e resolveu passar a noite aí, porque o sol já se havia posto. Jacó pegou uma pedra do lugar, colocou-a sob a cabeça, e dormiu. Teve então um sonho: Uma escada se erguia da terra e chegava até o céu, e anjos de Deus subiam e desciam por ela. Javé estava de pé, no alto da escada, e disse a Jacó: “Eu sou Javé, o Deus de seu pai Abraão e o Deus de Isaac. A terra sobre a qual você dormiu, eu a entrego a você e à sua descendência. Sua descendência se tornará numerosa como a poeira do chão, e você ocupará o oriente e o ocidente, o norte e o sul. E todas as nações da terra serão abençoadas por meio de você e da sua descendência. Eu estou com você e o protegerei em qualquer lugar aonde você for. Depois eu o farei voltar a esta terra, pois nunca o abandonarei até cumprir o que prometi”. Ao despertar Jacó disse “de fato Javé está neste lugar e eu não sabia disso”. Ficou com medo, e disse: “Este lugar é terrível. Não é nada menos que a Casa de Deus e a Porta do Céu”. Levantou-se de madrugada, pegou a pedra que lhe havia servido de travesseiro, ergueu-a como estela e derramou óleo por cima. E chamou esse lugar de Betel (Gn 28, 10-19).
Esta escada, tão marcante para a história do povo judeu, encontra o seu análogo em todas as antigas iniciações. Seja ela uma coincidência, ou uma teoria; ou se derivado de uma base comum de mística e simbolismo, é certo que a escada como um símbolo de progresso moral e intelectual existia quase universalmente, apresentando-se como uma sucessão de degraus, ou portões, ou modificada de alguma outra forma. Nessa visão Jacó contemplou anjos que subiam e desciam, como que levando pedidos e trazendo respostas. Deus estava neste lugar e Jacó ainda não sabia. Ele reconhece quão terrível é a proximidade da casa de Deus lugar onde o Senhor está, por onde ele passou pelo atemorizado patriarca. Uma religião verdadeira traz uma relação transcendente, viva com Deus que se manifesta em sonho e revela o projeto que vai se realizar na vida do homem. O lugar recebe o nome de betel, bet (casa) el (Deus), santuário onde o Senhor se manifesta ( cf. Jo 4,21-24).
Jacó veio de Bersabéia (conforto) para Harã (Padã-Arã, região desértica) numa atitude de quem busca o perdão por seus pecados. Uma conversão requer sacrifícios e tomada de decisão. Ali acontece a “noite histórica” com a visão da escada do céu e a presença do “visitante misterioso” com o qual Jacó lutou (cf. Gn 32, 22), tendo seu nome mudado para Israel (aquele que lutou com Deus e venceu). O homem que seria líder de um povo, pai das doze tribos, segue pelo caminho como uma esmoler, um fugitivo a procura de pão e roupa (v. 20) de uma tenda para repousar. Como travesseiro ele só tem uma pedra... Na aflição da fuga abre-se para ele, de repente um mundo superior onde ocorre uma experiência nova, concisa e transformadora, que ele desconhecia.
O local é desértico, mas se apresenta povoado de mensageiros celestes. No sonho Jacó vê a Deus, o que ele não conseguia enxergar acordado. Quando o sonho lhe fecha os olhos, Deus abre sua visão para obter uma revelação O que ele vê é uma rampa, uma escada que sobe da terra ao céu. Ali o Senhor está de pé (uma atitude de força, autoridade e proteção) sobre a escada (cf. Sl 63, 8s; Jo 1,51). A Jacó se abre a porta do céu. A escada e seus degraus representam o caminho desenhado pelo projeto restaurador de Deus. Toda a caminhada do povo de Deus ocorrerá a partir de Betel, assegurando um vínculo com Deus. Jacó responde consagrando a estela com a unção e pronunciando um voto que inclui a volta. A fuga de Jacó das ameaças do irmão acaba conduzindo-o ao encontro de Deus. Jacó ficaria marcado por este encontro...
A escada pretende ensinar a Jacó e à sua posteridade – na qual estamos incluídos – o caminho aberto para a humanidade atingir o céu. Deus poderia ter se valido da imagem de um facho de luz, mas preferiu a imagem mais clara de uma escada para mostrar que a subida aos céus é feita por degraus, com atingimento gradativo, composto de esforços, perseverança e esperança. Quando Adão e Eva foram expulsos, as portas dos céus ficaram fechadas para a humanidade pecadora.
Agora, depois que Deus resolveu recriar a humanidade a partir de Jacó e sua descendência, ele mostra a escada para deixar claro que os céus estão abertos de novo, a todos que se perfilarem ao projeto de Deus. Na expulsão do paraíso, a figura do anjo à porta revela o propósito do Criador em manter os caminhos fechados para o ser humano, decaído pelo pecado original. Na contrapartida, à estática do anjo-sentinela guardando a porta do paraíso, observa-se a dinâmica dos anjos “subindo e descendo”. Se no passado o anjo à porta se referia a uma proibição, agora o movimento dos anjos aponta para votos de boas vindas. O céu está aberto... É o resgate do ser humano rumo à casa do Pai.
Na Antiguidade os homens costumavam erigir monumentos, que davam o nome de estelas, como obeliscos em homenagem aos poderes superiores. A estela de Jacó era uma simples pedra caída no chão. Colocada na vertical ela é plantada na terra apontando para o céu. O que foi um duro travesseiro do sono se converteu em imagem do vínculo misterioso entre a terra e o céu. Os tratados sobre as religiões antigas apontam as estelas como uma pedra ou poste vertical (coluna sagrada), de cunho religioso, que serve para identificar a presença divina.
Quando o acampamento de Moisés foi atacado por cobras venenosas, o Senhor mandou erguer uma serpente de bronze para que todos os nela fixassem os olhos obtivessem a cura. Como uma estela, essa serpente de bronze – que tive oportunidade de visitar na divisa da Jordânia com Israel – faz a tipologia do Cristo, erguido na cruz para a salvação de todos.
Há um filme americano, muito interessante chamado “Alucinações do passado” que trata do drama da vida de um ex-combatente no Vietnã. O título original da película é “Jacob’s ladder” (A escada de Jacó) que faz uma analogia ao fato bíblico aqui enfocado.
Na história bíblica lá estava Jacó a caminho de Padã-Arã. Sozinho, longe de casa, dormindo ao relento, usando uma pedra era seu travesseiro. Jacó estava em crise. Sua consciência estava ferida por dois pecados: mentira ao pai e roubara a bênção da primogenitura do irmão. E foi naquela noite que ele teve um sonho temático, quando uma escada que fora posta na terra e cujo topo chegava ao céu, e anjos subiam e desciam por ela.
O que significa então aquela escada? Na Bíblia não há nenhuma menção da escada com os momentos que Jacó estava passando. Se ele estava angustiado, e com certeza estava, isto não é mencionado. Para os estudiosos aquela escada era uma segunda chance de comunhão dada pela misericórdia de Deus. Jacó estava no chão. Se ele esperou pacientemente pela bênção de Deus cerca de setenta anos, sem nenhum vacilo, bastou apenas uma tarde e um conselho tentador para que caísse e falhasse. Ele havia quebrado sua comunhão com Deus, falhado com seu pai e roubado seu irmão. Agora ele tinha uma chance de começar tudo de novo... No contexto geral do sonho é a escada o elemento principal de ligação posta na terra cujo topo atingia os céus movimentando à morada celestial na descida e subida angelical. As palavras do Senhor expressadas a Jacó foram um vislumbre do futuro, em linguagem simbólica, do grande plano de Deus para a salvação da humanidade.
E Jesus continuou: "Eu lhes garanto: vocês verão o céu aberto, e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem" (Jo 1, 51).
O homem, tendo-se evadido da perfeição que possuía uma vez no Éden, foi incapaz a apartir dali de ter a associação íntima de Deus que Adão gozava antes que caísse no pecado. No sonho, a escada representa a graça de Deus, prefigura Jesus, que a seu devido tempo restabeleceria o vínculo entre os céus e a terra (caminho, verdade e vida). Jesus proporcionou o preço do resgate por sua morte na cruz, e foi ressuscitado posteriormente dentre os mortos pelo poder forte de Deus. Por meio do futuro reino messiânico no qual ele e os membros de seu corpo, a Igreja, governarão com justiça, Jesus será o meio — a escada — que restaurará a associação íntima entre os céus [Deus] e a terra [a humanidade].
Na culminância dos tempos messiânicos, Jesus dilucida eventuais questões que tenham ficado pendentes a respeito do antigo mistério da escada de Jacó, apresentando-se como a porta, por onde todos podem, como os anjos, entrar, sair e gozar de liberdade e plenituide.
Eu sou a porta. Quem entra por mim será salvo. Entrará, sairá e encontrará pastagem. O ladrão só vem para roubar, matar e destruir. Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância (Jo 19, 9s).
Espero ter ajudado em seus serviços pastorais.
Um abraço, volte sempre!