Futilidades Poéticas
Achei o gesto da carta “generoso” e peculiar. Me vi outra vez naquela época, pecando com minha caligrafia pouco legível, bebendo todas aquelas bebidas fortes, festejando o nada como se fosse noite nupcial e escrevendo demasiadamente com desespero e pressa para que tudo saísse rapidamente, pois as ideias pulavam feito pipocas na panela.
Também gostaria de salientar que estou uma bagunça, juntando minhas ruínas para construir de novo aquilo que você, com toda boa intenção, fez questão de destruir em nome da beleza. Ainda não superei a raiva do francês, língua qual você se expressa com tanto esmero, deixando-me perplexo e com profunda admiração pela alta performance.
Você sabe que nunca me interessei pela grande popularidade, pois para ser popular é necessária certa dose de limites. –Coisa que nunca tivemos. –Mas eu menos ainda.
Bentinho, sempre vivi desregrado, apenas com a ordem da respiração, embora estivesse muito interessado em tudo, me cansava rápido demais, a todo o momento, busquei novas experiências. Se minha vida tivesse um título, o título seria: A Busca. Nunca suportaram o irresponsável que sabia discutir a geopolítica das Américas andina e platina, o expressionismo alemão e técnicas de pintura em tela. Sempre fui espesso demais para ser lapidado e entrar na bolha. Nietzsche e Freud continuam sendo meus heróis. Te amei, mesmo não sabendo me expressar da forma mais usual, mas todas as renuncias foram por você. Nunca me relacionei com Sanchas e Capitus. Eis o grande equívoco de nossas vidas, descrito por terceiros e confirmado por você.
Agora me tornei este exímio testador de canetas da sorte e colecionador de canecas comemorativas. Junto coisas e desperdiço pessoas.
Ando viciado em magnetizar para depois deixar o vazio dolorido, acho que aprendi com alguém. Digo que amo, mas atuo o tempo todo, experimento o gosto de bocas comprometidas, me surpreendo com santidades e escrevo futilidades poéticas. Assopro as páginas do meu livro de cabeceira, faço-o de bíblia e tento a sorte com palavras avulsas, mas repletas de significados subjetivos que você sempre fez questão de odiar, pois amava utilizar-me dessa ferramenta para inibi-lo.
O relógio marca 7:20 da manhã, estou lhe escrevendo há muito tempo, acho que estou lhe escrevendo desde quando me vi sozinho. Bom, quero dizer que ainda odeio esse seu jeito de contar vantagem e esconder problemas com piadas. –Librianos me irritam. Já odeio seus futuros namorados e todas as viagens que fará sem mim. Você é mesmo péssimo em despedidas, também deve ser péssimo viajando com quer que seja, com essa sua mania de independência, deixando todos submissos aos seus caprichos. –Diferente de mim. E é por isso que sempre me amou e ainda me escreve após oito anos. Você ainda se utiliza daquele bordão “a vida tá difícil’? Para minha tristeza, consigo ouvir sua entonação irônica dizendo isso.
Qual a intenção em me escrever após anos de silêncio? Zombar um pouco mais? Esfregar na minha cara essa sua tal felicidade duvidosa? Ou está com saudade da minha voz cantando erroneamente suas musiquinhas francesas? –Saiba que não vou cantar, pois estou rouco. Também não irei te passar a receita daquela torta de nozes de família, que por ironia do destino, carrega o mesmo sobrenome que o seu.
Sim, é primavera, minha estação favorita, mas não vou deixar florir aqui. Você sempre floriu mais, mas eu era o adubo, a vida começava a pulsar em mim. É por isso que não acredito nessa sua tal de felicidade absurda e nesse seu novo amor abusado. Embora você encha o peito dizendo que ainda amará muitas vezes, eu insisto em dizer não. “Mas você está certo”.
Acho que escrevi algumas subjetividades, sou uma abstração por completo, tenha paciência comigo, pelo menos dessa vez. Não abandone essa carta, guarde-a é um fragmento da minha alma. Já ia me esquecendo, sinceramente, tente ser feliz, mas sem artimanhas. Estaria mentindo se não dissesse que ainda te amo.