Judie Houmulch
Sou Judie Houmulch, judia e sete anos de idade, vivo num lugar maluco onde as pessoas maltratam as outras e não há paz, mamãe disse que alguns deles vão colher cereais e frutas do outro lado da montanha, e esses nunca mais os vi por aqui, talvez quem sabe consigam uma condição de vida melhor.
Há dois anos atrás minha vida não era assim, com essa mesma roupa sempre, sem meu quarto rosa e minhas bonecas, aqui é feio, tem paredes manchadas e entra pessoas toda hora que nem mesmo sei quem são ou de onde vieram, a noite também, mamãe chora toda noite mas eu não sei o real motivo, ela disse que papai e Jacob meu irmão de vinte dois foram também para o campo colher, e um dia desses perguntei a ela o porque não voltam logo, a resposta foi que tem muito serviço por lá e em breve estarão de volta para casa.
As pessoas dormem em bandos aqui, em alas como se fossem legumes, mas ninguém reage aos homens de farda, também me disse que eles estão encarregados de nos proteger, mas gostaria realmente que a proteção deles não existissem, ontem vi um homem ser morto por não saber engraxar os sapatos de um desses homens fardados com semblante sisudo, ele sabia pobrezinho mas não tinha forças mais, já estávamos sem comida fazia quatro dias e a única coisa que recebemos foi um pouco de água escura que tinha um cheiro esquisito.
Hoje não estou mais como todas as outras meninas de minha idade, tenho uma aparência levemente masculina, meus cabelos estão curtos com os deles e minhas unhas estão negras, olhos profundos e uma roupa maltrapida igual a que todos usam aqui, com isso ninguém pode reparar em meu vestuário.
Existem homens fortes e grandes aqui, são muito malvados, não deixam sequer conversarmos quando estão aqui, ficam com suas armas e toda sua fúria, parecem raposas, raposas vestidas de verde a espreita de sua presa, pertencem a outro país, são loiros e também usam um bordão incomum em suas vestes, alguns no canto superior próximo ao ombro e outros próximo ao coração, uma cruz estranha com extremidades dobradas e se assemelham com um cata-vento, mas os canta-ventos são lindos.
De assalto todos foram puxados para fora do barracão, não esperaram as velhinhas levantarem direito e foram batendo, algumas delas se machucaram de verdade e mamãe estava o tempo todo com as mãos sobre meus olhos e ouvidos, mas claro que tinham frestas e eu conseguia ver e ouvir, o choro era infindo, não entendia o porque as pessoas gritavam tanto e quanta correria e a agressão das raposas.
Até o ponto que consegui ver, todos que estavam lá dentro, enfileirados, um do lado do outro, as crianças assim como eu estavam a frente de suas mães ou avós e um grande número de vozes falando, orando e chorando o tempo todo.
Foi quando vi uma cortina de poeira levantando voo sobre meus olhos, com um grande número de raposas à sua frente, barulhos incessantes e cada vez mais intensos foram nos atingindo e o céu escureceu e quantas de nós foram caindo singularmente uma a uma sobre o chão que era imundo assim como o coração e índole das raposas.
Fui assassinada aos sete anos de idade em um campo de concentração, tive esse fim apenas por ser Judia, amar a Deus e não ter olhos claros e cabelos loiros, tive de deixar toda minha vida para trás por cobiça e orgulho de um homem só que corrompera a mente banal de muitos outros, alguns poderosos e outros interessados.
- Marcos Leite
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