A meu passado.
Já passastes noites inteiras esperando ligações que nunca vieram. Tu esperas a primeira noite, a segunda... na terceira tu dormes e acordas algumas vezes, olhas para o telefone... um mês se passa e cada atendente de telemarketing que te liga ouve tua voz trêmula.
Tem dias que a noite não chega, sabe? Que quando tu dormes é só pra sonhar o teu desejo de quando está acordado.
Acordas cansado, porque não te dás descanso de buscar e esperar e velar atento sobre o passar das horas, funeral da tua vida. A ligação não vem. Ela se perdeu, quiçá nalgum destes cabos velhos de cobre. Ou numa rotina estressante. Ou na tua vontade de seguir negando o que te parece evidente.
Aí é que tu notas que realmente ninguém ligou. E a verdade fria e cortante deve ser aceita. Aos poucos tu vais seguindo a vida que te segue também, e o costume de lembrar não te permite esquecer. Só que agora pesa; sem asas de cera, Ícaro é só humano. E como humano cai dos céus onde resplandesceu, de volta à frívola entorpecência moribunda da vida.
Tu levas teus sorrisos no bolso, meio prontos e mornos como a média fria que tragaste sem sabor. No coração tu ouves o toque daquele telefone, e a voz subsequente que pergunta como vai.
Você é um idiota.
A culpa é sua, e você sabe.
A ligação não veio porque quem quer ligar só existe no seu coração que quer receber a ligação.
A ligação não veio, nem vem.
Deixa de se enganar, joga esse telefone fora e deixa disso. Ao menos o silêncio frio desse quarto escuro não é matéria de sonho. Dele não se faz nada, só a noite.
E talvez seja mesmo hora de dormir.
Boa noite.