Desabafo
Papai do céu,
Olá, sou eu. Já tem um tempo que não paro pra conversar contigo. Hoje, como 99% das vezes em que venho conversar, estou aqui para pedir.
Sei que não posso mudar o passado e que meus erros me levaram até aqui. Mas deles muita coisa linda e boa surgiu e é sobre isso que eu quero falar.
Eu queria não ter lavado aquele banheiro na casa da Carmélia. Ao invés disso, queria ter descansado todas as vezes que o médico me pediu; para que minha filha não tivesse nascido com defeito.
Mas ela nasceu com defeito. E eu a amo. Apesar de não ser a mãe que ela merece ter. A mãe presente, acolhedora e gente boa o tempo todo.
Eu queria não ter me envolvido com um homem casado e mentiroso. Queria não ter sido expulsa de casa pela segunda vez. Ficado grávida pela segunda vez.
Mas minha segunda filha nasceu. Meu orgulho, sem defeitos!
Mas ela cresceu. E hoje, não me ama mais. Apesar do meu esforço para dar a ela tudo o que ela quer. Meu amor nunca será reconhecido. Ela nunca mais me abraçou com sinceridade. Não me tem respeito, apreço, nada. Eu sou só uma mulher qualquer pra ela.
Eu queria não ter perdido dez anos da minha vida a lado deste homem mentiroso e ficado grávida pela terceira vez. Queria ter tido mais descanso, menos raivas e um bebê prematuro novamente.
Este também nasceu sem defeitos. Ainda não cresceu o suficiente, mas já demonstra comportamentos típicos da “aborrescência”. Uma pena por que eu queria muito que ele não crescesse. Queria que ele, uma única esperança que tenho de ser amada enquanto viver; continuasse ansioso por meus carinhos e beijos.
Mas ele vai crescer.
Hoje eu queria que tudo tivesse sido diferente, que minha mãe tivesse gritado mais comigo, que eu soubesse que cada vez que ela gritava era pro meu bem, que eu tivesse focado nos estudos primeiro, queria ter minha própria casa.
Mas nada foi como tinha de ser.
Separada, três filhos: uma diferente, uma que não me suporta, um que eu não quero que cresça; obesa, triste, frustrada por tudo que poderia ser e não sou, morando com a mãe (ainda) aos 37 anos de idade, sou o retrato de tudo que nunca quis ser.
Mas como disse no começo da carta, não há nada que possa ser feito quanto a tudo que aconteceu, só me resta conversar contigo assim, sem propósito. Apenas para te dizer que não estou no meu melhor dia. E que a culpa é toda minha.
Obrigada por ler.
Katia Santus.