Mensagem póstuma
Ao molhar a pena no tinteiro, não sabia exatamente o que escrever, o que dizer à mim. Neste exato momento, meu tristonho âmago ora desesperado à algum Deus inexistente por uma doce rendição para que essa dor pare de me perfurar de dentro pra fora. Pergunte-me o porquê, meu caro, desse meu estado de óbito interno… Apaixonei-me. Puramente, apaixonei-me. Uma casta e jovial paixão a que entreguei-me crendo ter certa correspondência. Foi um erro. Um dos vários… Sim, isso é algo tolo, mas que dilacera-me pouco a pouco, a cada movimento que faço.
Meu sexo tampouco importa, porém hei de identificar-me por M. Enfim, algo muito estranho ocorre comigo, em meu interior… Minha doce Núbia, de belos lábios carnudos e voz angelical, meu precioso rubi, deixou-me. Sinto sua falta. Talvez isso seja saudade. Mas… talvez…. não. Não sinto isso.
Meu caro amigo ainda deve questionar-se, impaciente, que tanto me desola além dessa tolice. Uma nova sensação, um novo sentimento que inicialmente denomina-se Leona. Bela Leona, com toda a coragem e teimosia que seu nome sugere, com o pescoço alvo como a neve, beleza pura e inocência lirial, com seus cachos dourados e um vestido magenta, uma fita negra nos longos cabelos. Essa foi minha Leona, avoada e alheia, minha suave pombinha… Onde estará você agora, senão em meu coração?
Amado Mikael, de feições perfeitamente esculpidas, cachos castanhos pendentes da cabeça, um perfil escandalosamente masculino embora apenas na flor de seus 16 anos de idade. Indescritivelmente belo, sedutor, poeta, alcaide; até seu nome hebraico exalava sua beleza, sua inteligência e ingenuidade. Vingativo, meu garoto, mas apesar disso era uma boa pessoa. Garoto de espírito velho, tão inacreditavelmente inteligente com a mente e tão estupidamente bom de coração... Um dia, em versos melhores que estes pobres parágrafos, meu Mikael fez parte de meu pequeno buquê, e posso afirmar que, por alguns séculos, foi meu mais alcaide lírio, mas infelizmente acabou por despetalar-se com o tempo...
Tantos nomes e tantos corações… tantos sentimentos… Todos eles vieram a desencarnar e ser esquecidos embaixo de toda a areia da grande ampulheta - seus nomes e rostos que um dia foram riscados à beira mar acabaram por ser apagados pelas pequenas ondas que tudo carregam. Porém, eu, que um dia arrisquei-me a balbuciar essas palavras neste pedaço de papel, lembro-me perfeitamente de cada um deles, cada uma das belas flores que recolhi durante minha existência para formar este buquê de memórias e lembranças de que recordo com um misto de tristeza e felicidade, talvez o mais próximo que eu chegue dessa tal saudade.
Escrevo agora esta carta, esta pequenina mensagem, para alguém que um dia perdeu as esperanças e conseguiu reconquistar boa parte delas com alguns versos. Os versos cantados, falados, escritos, chorados, derramados, beijados, gargalhados, tocados, batidos, feitos, automáticos, copiados, lidos, ouvidos, vistos e sentidos. A todos os versos, a todos que foram eu e a todos que um dia eu fui. A mim, a você de um futuro próximo ou quem sabe distante. Enfim, a algo, a alguém.
Eu não sei quem está lendo, se alguém talvez se atreveu a ler até aqui, mas saiba que eu te amo. Do fundo da minh’alma, eu te amo. Por favor, imploro agora teu perdão por não conseguir me expressar devidamente, por apenas ter escrito anonimamente algo indigno de estar sendo lido.
De uma alma, de um poeta
A outras almas, outros poetas