CARTA ABERTA A ZULEIKA DOS REIS

REPUBLICAÇÃO

AINDA NA MANHÃ DE 20 DE MAIO DE 2014

Você não tem culpa de ser quem é. Você não é melhor nem pior do que ninguém. Nunca pretendeu nem pretende enganar ninguém. Nunca pretendeu nem pretende se mostrar melhor do que ninguém. Ninguém tem mais noção dos próprios defeitos e limites do que você. E não espera nenhum resgate da própria vida, a não ser pela ajuda de Deus e pela sua ação a seu próprio favor, em seu benefício, que nunca incluiu nem inclui lesar o direito de quem quer que seja.

Se a vida lhe tem trazido sempre, sem tréguas, demasiados mais do que demasiados enganos e dor, sempre assumiu e assume a responsabilidade por eles. Não mais assuma a responsabilidade pelos enganos e pela dor de quem quer que seja. Isso não é justo e está na hora de você ser um pouco justa com você. Cada pessoa deve se assumir, e você se cansou de pedir perdão por crimes que não cometeu. Você, definitivamente, se cansou. Ninguém nunca assumiu qualquer responsabilidade pelos enganos e pela dor que lhe foram causados e você sempre aceitou isso, que cada um é responsável pelo que faz, pelo que julga, e você não pode responder pela consciência nem pela autoconsciência, muito menos pelos atos de ninguém.

Escrevo isto para você mesma, não para qualquer outra pessoa. Sei que você nunca esperou unanimidade nem plena compreensão (dessa espera, a de plena compreensão, já desistiu mesmo, deveras e de vez) porque tais coisas não são possíveis, bem como não fez concessões simplesmente para ser aceita e amada. Escrevo estas coisas para você, Zuleika, para que você ainda dê a si mesma a chance de se re-conhecer. Escrevo-lhe para dizer que o mais verdadeiro e legítimo casamento deve ser com você própria, que nenhum outro casamento poderia, mesmo, jamais, ter sido bem sucedido, já que você não se casou, antes de tudo, consigo mesma. Você, Zuleika, nunca se aceitou, plenamente, sequer como própria namorada.

Se o namoro consigo mesma vingar, talvez se torne possível compromisso maior, com sua própria vida, ainda que sob as condições todas, profunda, inacreditavelmente cerceadoras e cerceadas que ela, vida, veio a apresentar, em todos os sentidos, condições que você – e só você - conhece bem. Uma vez casada consigo mesma, será possível começar por sentir que existe de verdade; começar, de verdade, a querer viver; começar, enfim, a viver, a viver o que ainda der, o que ainda lhe for possível, por algum direito legítimo, viver. O pouco, que seja. O mínimo, que seja. Só depois. Só depois.

Aceite o meu abraço fraterno, prezada Zuleika.