CARTA PRO MEU PAI NOS SEUS 99 ANOS
- Meu querido e amado pai Francisco! Respeitosa e humildemente beijo-lhe a mão.
Todo o amor que devoto ao senhor será sempre insuficiente para mostrar à eterna gratidão pelo pai amoroso, desvelado, respeitoso e exemplar que tive, e que por uma benção especial de Deus ainda tenho.
Não me canso de agradecer ao nosso Criador pelo maravilhoso e inestimável presente em mantê-lo entre nós, assim tão lúcido e capaz aos noventa e nove anos.
Aqui no meu canto, tão longe daí, fico muitas vezes matutando, e assim me perco num passado gostoso, aprazível e distante de minha infância querida. Recordo-me do pai atencioso, afável e preocupado com seus filhos; Vejo-o amoroso, com devotada proteção, cercando de mil cuidados, conversando com minha mãe.
Meu querido e amado pai, quantas vezes ao falar em público, citando o exemplo forte de um homem que admiro, que venero, e que me acompanha, passo a passo, na minha vida, vem alguém fascinado curiosamente perguntar:
- Quem é esse homem maravilhoso? Diga por favor!
E eu então, todo orgulhoso, estufando o peito não me canso de falar.
Ele é o homem em que me espelho, é o meu eterno guru, que soube me educar, e que tem uma vida exemplar, impecável, para eu seguir. É o homem que soube mostrar o que é o amor e o carinho por uma mulher, respeitando e amando gentilmente minha doce mãezinha.
É o homem que me ensinou, com sua paciência e exemplo, como educar um filho; Nunca nos confundia com suas determinações, pois seu sim era sim e seu não era não.
Aprendi com ele a ser um pai presente. Quantas vezes vi meu pai quase esmagado pela multidão, de pescoço esticado só para me ver marchando em desfiles comemorativos pela escola. Naquele momento eu queria parar o desfile, e gritar para todo mundo ouvir, apontando para aquele gigante, de bigode preto, bem alinhado, esticando-se todo para me ver:
- Aquele ali é meu pai! Aquele é meu pai!
Sufocava meu grito, enxugava minhas lágrimas e todo garboso, marchava firme, batendo mais forte ainda meu pé ao som dos tambores, sabendo que meu pai me seguia com o olhar.
Aprendi, pelo seu exemplo, o ato nobre da caridade.
Quantas vezes o acompanhei nas caminhadas longas de domingo, após a missa, para visitar famílias e pessoas necessitadas. Sou testemunho, me comovendo com a alegria das pessoas quando ele chegava. Pacientemente ele ouvia cada um, anotava e aconselhava confortando suas penúrias. Distribuía o que era necessário, orientava a regularização de documentos e encaminhava os doentes ao médico.
É o homem que pelo seu modelo de vida me ensinou a respeitar os mais velhos, os animais e a natureza. Foi ele que me ensinou a magia da leitura.
Orgulhosamente sou professor de tanto ouvi-lo dizer para nós:
- O professor tem nessa terra uma missão divina! Temos que ouvir, respeitar e seguir seus conselhos se pretendemos ser alguma coisa na vida.
Foi ele que nos ensinou que o presente de Natal não é o Papai Noel que nos trás. Pela magia da primeira estrela que surge no céu, o presente aparece ao lado do presépio, enquanto contritos, ajoelhados, rezávamos o Pai Nosso no pedido de misericórdia pelos inocentes pecados cometido.
Nada o deixa triste! É temente a Deus e de uma fé inabalável. Quando moleque nunca o vi chorar, mas um dia estas lágrimas apareceram e apareceram em profusão. Sua irmã Judith desenganada pelos médicos entregava, pouco a pouco, sua alma a Deus e então esse grandioso homem despencou em lágrimas, o vi chorar pela primeira vez copiosamente. Estas lágrimas abriram caminho para outras tantas. Quando minha mãezinha faleceu eu vi, contristado, muitas lágrimas lavarem o seu rosto envelhecido ao lembrar com saudade da sua companheira de tanto tempo, de tantas lutas, de tantas realizações.
As pessoas se encantam ao me ouvir contar isso com tanta emoção, e muitas vezes comentam:
- Você é abençoado por ter um pai assim! Quem me dera ter um pai igual a esse fabuloso homem!
Ah! Meu lindo pai, meu querido índio velho, tenho tantas lembranças suas de quando era menino que se narradas todas daria um enorme livro.
Algumas são fortes e que me parece aconteceram ontem. Por exemplo, aos domingos no programa da rádio Nacional “Quando os ponteiros se encontram” lá estava você todo, atento de ouvidos pregado no rádio, para ouvir o rei da voz Francisco Alves. Tomei gosto pela música e admirava o cantor das multidões. Vi sua fisionomia contristada em setembro de 52 quando o cantor morreu em acidente. Fiquei triste também.
Meu querido e amoroso pai, só tenho boas lembranças suas.
Hoje, me achego através desta carta para respeitosamente beijar sua mão e pedir uma benção muito especial, para este filho que o ama, que o venera e o admira muito.
Parabéns pelos seus bons, graciosos e lindos noventa e nove anos.