Depoimento de um Escritor falecido
Acho que hoje é um dia feliz, bom talvez isso soe de mau gosto mas... é isto mesmo, hoje é um dia feliz.
Acordei e o cenário era o mesmo, paredes brancas, cortinas dançando conforme a brisa, no canto sobre uma mesa, um jarro com flores murchas, algumas gotas deslizavam na lateral de um bebedouro, e seu reflexo torto mostrava um conjunto de máquinas musicais.
A música é fundamental para um bom cenário, como o som do vento perfeitamente equalizado com as ondas do mar, ou o ranger de trilhos afinado ao apito do trem, até mesmo o choro de uma criança inocente e gritos de felicidades saudando uma nova música, tudo é música, até mesmo o silêncio é música.
As máquinas ao meu lado tocam meu coração,... é... desculpa, meu coração tocam as máquinas, costumava ser assim também com a minha máquina de escrever, mas nunca mais a toquei.
Tudo começou com um desmaio no meio da praça, escutei os vários sons entrarem em espiral em minha cabeça e tudo subitamente ficou em silêncio, acordei nos corredores do hospital, embora estivesse tudo agitado, não havia som algum, tudo escureceu e quando abri os olhos novamente, eu estava debaixo de lençóis verdes, eu sempre gostei de verde, mas estava nítido que meus aposentos deixaram de ser um quarto cheio de livros para se tornarem um leito de hospital.
Já se passaram alguns dias, e o motivo da falta de som é um tumor que resolveu fazer barulho em meu cérebro.
Acho que hoje é um dia feliz, bom talvez isso soe de mau gosto mas... é isto mesmo, hoje é um dia feliz, pois enquanto houver música eu estarei feliz e quando a música acabar deixarei de ser ouvinte para ser parte dela.