SEQUENCIA - I - A COLÔNIA

2 – QUASE UM PARAÍSO

Naquela fazenda onde conviviam tantas famílias, os quintais todos unidos sem cerca. A convivência era harmoniosa, as mulheres não eram dadas à fofoca, apenas ocorriam raras vezes algumas discussões por causa das peraltices das crianças, mas tudo era coisa passageira, a amizade e companheirismo prevaleciam no relacionamento da vizinhança.

As pessoas eram gentes simples, humildes, as necessidades que sentiam eram poucas e geralmente supridas, não tinham luxo e vaidade, cada um tinha umas três trocas de roupas toscas para o trabalho e umas duas trocas de roupas mais finas para sair, o que não podia nem chamar de roupa de ir à missa, pois só iam à missa uma vez por mês, quando o padre vinha celebrar a missa na capela na comunidade vizinha. Na cidade também iam uma vez por mês, no dia do pagamento, que acontecia todo primeiro sábado do mês, quando todos os chefes de família iam fazer as compras do mês que começava e esposas e filhos iam sempre juntos para passear ou comprar alguma coisa pessoal, como roupas e outras coisinhas. Quando faltava algum mantimento no decorrer do mês, o seu Pereira emitia uma ordem para que se comprasse numa venda ali próximo a uns cinco quilômetros de distância.

Na fazenda não tinha igreja nem escola, tanto uma como a outra ficava retirado dali a uns três quilômetros mais ou menos, no sítio do Sr. Irineu Bastregui, na cabeceira deste sítio, onde passava uma estrada vicinal que dava acesso à cidade de Rondon e aos fundos do sítio divisva com a fazenda Alto Alegre.

A Fazenda Alto Alegre era ladeada por diversos sítios, pequena áreas de terra onde se plantavam diversidades de cereais, algodão amendoim, arroz, feijão, entre outros, apenas os irmãos Bastreguis cultivavam lavoura cafeeira em seus sítios. Na época da raliação do algodão e nas colheitas de algodão e amendoim, o Sr. Pereira permitia que as mulheres e crianças trabalhassem nos sítios vizinhos, para ajudar aos sitiantes na realização desses tarefas.

Na cabeceira do sítio do Sr. Irineu Bastregui, à margem da estrada, estava construída uma Escola Rural, uma capela, pequena igreja e em frente dessas construções, ficava o campo de futebol. Na escola onde estudavam as crianças das redondezas, lecionavam-se as séries de primeira a quarta, do antigo primário. Na capela rezava-se terços, novenas e celebrava-se o culto dominical e uma vez por mês o padre vinha celebrar a missa, realizava-se, também os batizados, a primeira comunhão no final do ano e também alguns casamentos, quando surgiam alguns noivos. No campo de futebol sempre tinham jogos, todos os domingos, quando o time da casa não saía para jogar em outro campo. O time da casa era o time dos Bastreguis, formado por moradores dos sítios vizinhos e alguns jogadores moravam na Fazenda alto Alegre, jogavam sempre com times d redondeza e às vezes com times da cidade de Rondon.

De vez em quando se realizava torneios com diversos times e que ocorriam durante todo dia, no domingo de torneio. Somente nos dias de jogos, montava-se um pequeno boteco ao lado do campo para vender bebidas para os torcedores e para os jogadores após o término do jogo. Nos domingos de torneio serviam-se também alimentos, após os jogos começavam logo pela manhã e só terminava ao anoitecer.

Antes das realizações dos torneios eram escolhidas, entre as moças mais belas da vizinhança, três entre elas que iriam concorrer ao prêmio de rainha do torneio, não era propriamente um certame de beleza, pois não eram eleitas por um júri, mas era talvez um concurso de simpatia, pois as candidatas tinham que vender votos por um determinado valor e a que mais arrecadasse, seria a rainha. As outras duas seriam primeira e segunda princesa, também pela sequencia de valores arrecadados.

No sábado que antecedia o torneio, acontecia o baile da rainha e realizava-se na escola o lado do campo. Após a apuração dos votos, coroava-se a rainha e colocavam-se as faixas nas princesas e o baile prosseguia com muita dança a noite inteira, animada pelo som do toque da sanfona, acompanhada de pandeiro, violão e zabumba e acontecia ainda um grandioso leilão de prendas, tudo para angariar fundos para o time de futebol. Enquanto isso as moças, rapazes e os casais, divertiam-se a noite inteira dançando, até o sol raiar.

No domingo de manhã, todos os times chegavam e procedia-se ao sorteio para saber quais times s enfrentavam e a ordem dos jogos que eram geralmente de oito a dezesseis times e o time que perdesse o primeiro jogo estaria desclassificado. Os jogos duravam em média uma hora em dois tempos de trinta minutos, quase sem intervalo, para dar tempo de todos jogarem. O time dos Bastreguis, quando não vencia o torneio, ficava sempre entre os quatro primeiros colocados, sendo um dos melhores times da redondeza.

As pessoas que participavam das festividades, tanto dos bailes, como dos jogos, de torneio ou não, eram pessoas pacífica, raramente ocorriam brigas, às vezes por torcidas exaltadas que seu time perdia e queriam agredir ao juiz, ou trocavam agressões com a torcida contrária, ou ainda às vezes nos bailes, quando uma moça dava “tábua,” assim dizia-se quando uma moça era convidada para dançar com determinado cavalheiro e recusava o convite, neste caso havia uma lei do dono da casa, ou organizador do baile, que a dama que assim procedesse, ficaria três músicas seguidas sem dançar com ninguém. Mas de vez em quando, algum pretendente da referida moça, após tomar algumas a mais, exaltava-se, tomava as dores da moça e iria tirar satisfações com o cavalheiro prejudicado, terminando a discussão em trocas de socos. Quando isso ocorria, que eram raras vezes, tanto nos bailes, como nos jogos, sempre chegava a turma do “deixa disso”, apaziguando a situação e tudo prosseguia em festa e alegria, mesmo os que trocavam agressões, na próxima vez que se encontravam, estavam amigos e tudo continuava numa boa.

Os torneios ocorriam também nas sedes dos outros times e sua organização, bem como das festividades que o antecediam, eram iguais e toda a redondeza participava. Um dos times que sempre participava, como também sempre sediava os torneios, era o time do Sapecado, com sede na venda do seu Porfírio, onde os moradores da Fazenda Alto Alegre faziam suas compras com ordem do administrador.

A diversão era sempre garantida, pelos bailes nas redondezas, os jogos nos domingos no campo dos Bastreguis, ou as peladas no campo da fazenda, onde dois homens tiravam a sorte no par ou ímpar, somente para ver quem escolhia o primeiro companheiro a formar seu time, em seguida cada um escolhia um até formar os dois times a se enfrentarem. Nessas peladas um dos times jogavam vestidos, com short e camisa ou camiseta de uso pessoal de cada um, e o outro jogavam sem camisa. Geralmente, uma vez por mês, disputavam os solteiros contra os casados, nestes jogos sempre havia uma festinha com churrasco regado à cerveja bem geladinha, sendo que o time que perdesse arcaria com as despesas, rateando entre os jogadores o pagamento do valor gasto. Essa conta sempre caia nos bolsos dos solteiros, que na maioria das vezes perdia o jogo.

Além das peladas que se realizavam no campo da fazenda, onde de manhã jogava a molecada e à tarde, os adultos jogavam, sempre aos domingos e com a animação da torcida feminina, as senhoras que torciam pelo time do esposo, as moças e meninas que se dividam torcendo pelo time no qual estava o jogando o rapaz de sua preferência. As noites eram animadas por brincadeiras de roda, com as cantigas e jogos de versos, que eram, por exemplo: ciranda-cirandinha, peneirou bandeira, Paraná quem é? Serreia sereiá, entre outras. Tinha também as cantigas dançantes, em que um casal dançava no centro da roda, embalados pelo tom da cantiga, como café com leite, que era assim: um rapaz ficava no centro da roda enquanto os outros cantavam a música que assim dizia; café com leite para nós tomar, com essa moreninha eu quero me casar, com essa sim, com essa não, com essa moreninha do meu coração, ...ao término da palavra coração ele escolhia uma moça para dançar e a cantiga continuava um pouco mais acelerada....põe aqui o seu pezinho, bem juntinho igual ao meu e depois não vai dizer que você se arrependeu, quem quiser que eu dance a polca tem de pagar um tostão, que essa polca bem dançada, faz doer no coração. Assim terminava a cantiga, o rapaz saía e a moça ficava para o recomeço que ia se revezando moça e rapaz.

As cantigas iam se alternando entre cantigas com versos, as dançantes, ou passar anel, raminho, adivinhar o mês e assim sucessivamente. Entre as cantigas dançantes, tinham também as marcadas, quase como as quadrilhas de festa junina, uma delas era assim: O machadeiro pau, machadeiro, menina corta o baralho, o machadeiro pau, machadeiro; corte as cartas miudinhas, o machadeiro pau, machadeiro; se eu perder você me ganha, o machadeiro pau, machadeiro; se eu ganhar você é minha, o machadeiro pau, machadeiro. Essa brincadeira era formada por duas duplas, geralmente dois casais, que ficavam em forma de cruz, e um enfrentem para o outro, no sentido leste oeste, norte sul, ao ritmo da cantiga, iam batendo palmas e com as mãos nas mãos do parceiro e parceira, fazendo esse movimento de forma alternada, quando um casal batia palmas o outro tocavam as mãos um do outro, ao tocar as mãos uns dos outros, elevavam as mãos acima da cabeça.

A brincadeira do machadeiro, era a representatividade dos machadeiros fazendo derrubada. Nessa atividade às vezes quando a árvore é muito grossa, geralmente era derrubada por quatro machadeiros, dois cortavam no lado da boca ou barriga, que era o lado que pretendiam derrubar a árvore, em que o corte era feito um pouco abaixo e do outro lado, onde o corte era feito acima, denominava-se, costas; também era cortada por dois machadeiros. O movimento era um pouco diferente do representado na cantiga, até porque as mãos do casal representavam ao mesmo tempo o machado e a árvore porque as mãos eram as que se tocavam no golpe. Os golpes do machado na realidade eram consecutivos um da cada vez em sequencia ritmada.

Nas brincadeiras de roda, começavam-se as paqueras, quando uma moça se interessava por um rapaz, jogava um verso rimando com a cor dos cabelos, dos olhos, da roupa ou qualquer sinal que o identificasse e o rapaz que logo sacava, se também se interessasse, respondia com um verso dando a entender que estava a fim. Como todos os participantes da brincadeira logo se tornassem cúmplices e cupidos propiciariam na mesma noite, ou na próxima oportunidade, nas brincadeiras de raminho, ou de passar anel, a chance dos dois conversarem a sós.

Nas brincadeiras de raminho, que consistia em um rapaz entregar um pequeno par uma moça e vice versa. Quem iniciava a brincadeira dizia assim: raminho especial, que amor você me dá? Os participantes respondiam te dou o fulano ou a fulana. O rapaz ou a moça entregava o raminho para o escolhido ou a escolhida e os dois davam uma volta de mãos dadas, ao retornarem da volta quem ficava com o ramo dava sequencia na brincadeira. Também na brincadeira de passar anel, a pessoa a quem se perguntasse com quem está o anel? Se não adivinhasse a resposta receberia um castigo, que às vezes era um bolo ou mais, ou seja, palmadas na mão, ou ainda, dar uma volta com alguém, sempre do sexo oposto, que nesse caso era mais um prêmio do que um castigo. Quando se percebia que a moça ou rapaz que receberia o castigo estava a fim de alguém, a volta seria com a pessoa pretendida, e o mesmo ocorria na brincadeira de raminho, a galera escolhia um para dar volta com a outra. Assim com ajuda do cupido não faltava oportunidade para as declarações de amor, o rapaz “batia o barro”, expressão que se usava para pedido de namoro e sempre esse barro colava.

A diversão se diversificava entre as brincadeiras de roda, raminho, anel, adivinhar o mês entre outras e ainda as cantorias com a dupla Genésio e Gervásio e ainda com a participação das crianças Gerson e Géssica. Outras vezes reuniam-se para contar estórias, os meninos quando as meninas e ou a galera adulta não estavam, brincavam entre eles da salva, pique-esconde e outras, sempre de correr.

Terezinha com seus olhinhos e bolita, muito pretos e miúdos, que dançavam em todas as direções, perscrutando todos os rostos, quando era sua vez de passar o anel, perguntava primeiro para um dos apaixonados: com quem está o anel? E torcia para que não adivinhasse, para lhe aplicar o doce castigo de dar uma volta com a pessoa que fizera seu coração bater descompassado. E assim com o auxílio do cupido, Terezinha, e outros jovens e adolescentes, as brincadeiras tornara-se um farto terreno, onde a semente do amor fora semeada, algumas vingaram, outras não, mas sempre brotaram.

CEZARIO PARDO
Enviado por CEZARIO PARDO em 01/04/2014
Código do texto: T4752114
Classificação de conteúdo: seguro