os limites da palavra
“…Os biliões de neurónios que temos nos nossos cérebros para alguma utilidade devem ter sido lá colocados pelo nosso Criador. Por alguma razão eles existem e... funcionam… A verdade é que, pensando bem, não há nada mais rápido do que o nosso pensamento, ainda muito mais rápido do que a luz, já que esta ainda precisa do "tramado" fotão para se deslocar… o pensamento não tem essa necessidade, ele pura e simplesmente tanto está aqui como ali ao mesmo tempo, logo ele (pensamento) não se desloca, transmuda-se no mesmo momento em que é criado e/ou utilizado pelos nossos neurónios… Por causa deste estado (ou estádio ou ainda status) o pensamento não tem limites nem de utilização nem de espaço, nem de tempo, nem sequer de existir… o pensamento é, está, estava, estará, em resumo não pára e como não está quieto nada nem ninguém lhe impõe limites… O pensamento é o elemento mais livre do Universo… Já o mesmo não se pode dizer da... palavra!... Para além de ter necessidade de ordem dos nossos neurónios para ser activada e posteriormente articulada e ainda em seguida transformada em sons audíveis e perceptíveis pelos ouvidos, a palavra precisa de ser... encontrada!... E então o nosso cérebro em constante movimento de energia decide que movimentos é que a nossa boca, lábios, traqueia e pulmões (se é que não haverá mais alguma coisa) deverão ter para que a palavra (depois de encontrada nos ficheiros da nossa cabeça maravilhosa) seja transmitida… Só por estes termos poderíamos afirmar que desde logo à partida, a palavra nasce já limitada… ela não é livre, necessita de uma série de acontecimentos para que seja palavra... dita… Se é assim tão simplesmente para a palavra expressa que tremendos limites não existirão para a palavra ser escrita!... E é aqui que surge a dificuldade de se escreverem palavras: primeiro, todas as articulações cerebrais necessárias para que ela seja articulada, depois todos os movimentos físicos para ela ser transmitida e finalmente toda a manifestação da vontade para a colocar no papel!... Escrever não é nada fácil; ou melhor dizendo: transformar o pensamento sem limites em palavras limitadas desde a sua nascença para, ainda por cima, as colocar no papel... não é tarefa leve… É deveras muito pesada e, acima de tudo, extremamente limitada… É que não se consegue escrever o pensamento, não é possível exprimir o que nos vai na alma, não se consegue colocar no papel o factor ilimitado do pensamento!... Se fosse viável escrever o pensamento, o mundo deixaria de ser hipócrita, pois todos poderiam escrever a verdade e não ter receio de alguma limitação, pois desde logo e à partida, o pensamento é livre… se fosse viável colocar no papel não as palavras cheias de limitações de toda a espécie mas única e simplesmente o pensamento, como seria mais feliz o escritor, como seria mais leve a sua tarefa; porém, toda a palavra está cheia de pruridos e de muitas outras coisas como por exemplo de segundos sentidos e os limites iniciais tornam-se insuportáveis quando se incluem estes limites finais… Escrever não é fácil… dizer o que nos vai cá dentro tem, infelizmente, limites que nos transcendem e nos coarctam (ainda mesmo na qualidade de homens livres) o acto de escrever… somos como que coagidos a (cá está) pensar primeiro antes de agir para que do pensamento puro não saia ou não se transforme em asneira a palavra dele derivada… Anseio pelo dia em que possa escrever o meu pensamento… vivo num frenesim constante por querer dizer e não dever dizer… sinto a angústia no peito por sentir o pensamento fervilhar e a palavra me faltar… sinto a mágoa profunda por, possuindo tudo aquilo que me permite escrever, sentir a limitação que me é imposta pela palavra que não pelo meu pensamento!... Sendo o pensamento livre, crie-se o decreto que dê a liberdade à palavra!...”
Joaquim Nogueira