O paparazzo caipira
No dia 28 de março de 1974, na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo, pude ter meu momento “paparazzo”, sem ter fotografado pessoas que pudessem ser celebridades. Naquela época, começava a aparecerem em locais públicos pessoas correndo nuas, como aconteceu na entrega do Oscar daquele ano, quando Elizabeth Taylor estava no palco da grande festa do cinema. Era o que a imprensa brasileira passou a chamar de “chispada” – pessoas correndo nuas em lugares públicos.
Um grupo de aproximadamente 30 estudantes da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz - ESALQ, campus da USP de Piracicaba, saiu pelado, alguns apenas calçando botas, outros com chapéus, gravatas e muitos óculos escuros e dezenas de garrafas de pinga na mão. O local escolhido ficava próximo da Esalq, onde há uma concentração de repúblicas de estudantes e, naqueles anos funcionava o mais badalado restaurante da cidade: o restaurante Sarava que ficava em frente a um outro bar famoso, o Zueira.
Informado com por um amigo de que haveria possibilidade dos estudantes saírem pelados na frente de centenas de pessoas na calçada do restaurante, peguei minha câmera fotográfica e um flash que funcionava muito mal com pequenas pilhas e fiquei esperando. Por volta das 11 horas da noite de quinta-feira, dia 28 de março de 1974, recebi o aviso de que os estudantes sairiam. As ruas estavam lotadas de jovens, centenas de garotas. Muitas pessoas no restaurante, que tinha uma grande área avarandada, e outras dentro de carros que quase congestionavam a avenida Centenário. Liguei para o diretor do jornal “O Diário de Piracicaba”, o jornalista Cecílio Elias Neto e avisei que era para ele deixar um grande espaço para mim na primeira página. E não disse o que era. E o diretor aguardou minha chegada.
Aos gritos de “hop-hop-hop” cerca de 30 estudantes sem roupas desceram a avenida Centenário, na calçada do restaurante Sarava e viraram na esquina da rua Ajudante Albano, onde ficava o bar Zueira. Não houve nenhum tipo de protesto dos presentes, já que boa parte das pessoas sabia que iria acontecer o que ficou na história como a “chipada piracicabana”. Os estudantes correram por umas 4 quadras (quarteirões) e, cada grupo de 4 entrou num carro que estava estacionado e com suas roupas.
Depois de ter feito apenas 6 fotos – o pequeno flash não ajudava – levei o filme para o jornal O Diário de Piracicaba, onde todos me aguardavam com ansiedade e extrema curiosidade. Ao contar a história e revelar as poucas fotos, todos na redação não acreditavam no que eu tinha trazido. Com muita coragem – e uma certa dose de irresponsabilidade, é claro – o diretor Cecílio Elias Neto fez o texto e publicou na primeira página, com enorme destaque com a manchete “E surgiu a chispada piracicabana”. As “partes” dos rapazes foram cobertas com tarjas pretas.
A edição saiu um pouco mais tarde e o diretor mandou um maior número de exemplares para as bancas. Perto das 9 da manhã, a primeira edição se esgotou. O diretor mandou imprimir mais exemplares que também se esgotaram e, na segunda edição, não havia mais papel para imprimir. Se houvesse a situação teria se complicado, pois perto das 11 horas do dia 29 de março de 1974, um delegado da DOPS (aquela polícia política do governo militar) invadiu o jornal O Diário de Piracicaba e levou as chapas metálicas de impressão (era um jornal em off-set), os fotolitos, as únicas fotos e os negativos da minha façanha. Fomos todos convocados, intimados mesmo, a dar depoimentos na delegacia da cidade. Houve uma grande investigação por parte do DOPS e de outros setores policiais da cidade de Piracicaba. Alguns estudantes de Agronomia da ESALQ/USP tiveram que tingir seus cabelos, outros rasparam os cabelos e, alguns não tiveram como esconder que eram os rapazes nus naquelas fotos. Eu tive que depor na delegacia umas 3 ou 4 vezes. E, é claro, disse que tudo havia sido obra do mais absoluto acaso. A história da pessoa certa no local certo, esta é a essência do trabalho dos “paparazzi”, Será mesmo?
Resumo do que aconteceu depois. Parte da conservadora cidade de Piracicaba se divertiu muito com o que o jornal O Diário de Piracicaba teve coragem de publicar. Outra parte, mais radical, criticou abertamente a posição do jornal e a ousadia de Cecílio Elias Neto, o diretor do combativo jornal que já não existe mais. Em cima das reações, Cecílio escreveu seguidos editoriais criticando o cinismo de algumas pessoas que não aceitavam a brincadeira dos estudantes – não foi nenhum tipo de protesto, diga-se, brincadeira mesmo – e conviviam com um dos bairros que havia se transformado em Zona do baixo meretrício, local onde havia a comercialização de drogas. Cecílio manteve sua posição e, meses depois, por reação da polícia que colocou uma cancela na entrada da Zona e onde fotografava os carros que lá chegavam, as atividades das prostitutas foi praticamente desativada e o bairro deixou de abrigar apenas aquelas mulheres e demais agregados daquele ambiente.
Tenho apenas um recorte do velho jornal, na forma de uma xerox, que posso encaminhar mais tarde, pois estou sem scanner no momento, caso seja do interesse de vocês em levantarem esta história.
Das pessoas fotografadas, uma pelo menos virou celebridade, muitos anos depois, ao se transformar em principal assessor do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, seu secretário particular que também foi nomeado presidente do INCRA. Trata-se do ex-deputado federal, que foi nomeado Secretário da Agricultura do Estado de São Paulo, o ex-secretário particular e ex-presidente do INCRA, Francisco Graziano, o Xico Graziano, que na cidade de Piracicaba era conhecido como Xico da Poióca (nome da república onde ele morava).
Meu nome é Rogério Viana, tenho 56 anos, sou jornalista e moro, atualmente, em Curitiba (PR), onde trabalho com consultoria de marketing editorial e marketing cultural, desenvolvendo, também, assessoria de imprensa.
Agradeço a atenção e estou à disposição para outras informações e, se desejarem, enviar-lhes a cópia da referida matéria que saiu na edição número 1724, ANO XL, edição regional, do jornal O DIÁRIO, de Piracicaba, em 29 de março de 1974 (uma sexta-feira inesquecível). O valor da edição nas bancas era de CR$ 0,70 (cruzeiro). Uma chamadinha sobre Fórmula Um saiu na capa do jornal: Pace em primeiro, nos treinos classificatórios para o Grande Prêmio da África do Sul, que foi disputado no dia 30 de março de 1974. Pace corria com um Surtees Pina TS 16. Émerson Fittipaldi, se classificara em segundo lugar, com seu MacLaren M-23. (é só conferir...)