Carta para Ti - II

Continuo a escutar os teus olhares, provando dos silêncios que me ensinaste a ler.

São mansos os gestos que te seguem, enquanto te conduzes em meio ao que aprendeste com o nome de solidão. Há passos, além dos teus que te tocam...quase imperceptíveis, é verdade, para que não sombreiem a mansuetude das tuas descobertas ou despertem em tempo indevido as flores que teus lábios têm para desabrochar..

Percebo os anseios, os sons que implodem na lágrima incontida, mas emudecida. Sei do exílio, quando é a música aconchego, para o inexprimível. Sei das dores que volteiam os olhos, conjugando tempos e afetos. Diviso a busca que diz do desejo de ser feliz, a inquietude da esperança que acena para os sorrisos que virão e os projetos que não esquecem de valorizar o outro. Sei que rompeste as estradas do mirar-te e que vislumbras os olhos de quem anda a renunciar sonhos. Realidade é apenas o sonho de alguém que acreditou. Sabemos disso, não? E se persisto, mostrando-te o sol que de ti não desiste, é por saber que há auroras que necessitam da tua luz.

Lembro que me ensinaste a não ter certezas e a desconfiar da exatidão de quem não tem dúvidas. Vinha a pensar sobre isto, quando do retorno para casa esta noite. Em meio a 9ª Sinfonia de Beethoven e a pressa dos automóveis, quedei-me a tentar compreender o valor do silêncio. Parece-me hoje, em muitos momentos, a mais eloquente palavra. É mesmo o silêncio, um estranho idioma, como escrevi em um dos meus poemas. Escuto agora “Moonlight Sonata” e o coração parece despido, acariciando o pensamento que desconhece as amarras, o tempo ou o ter que chegar a algum lugar. Em torno de mim, apenas o espelho imaginário que me diz do que mora além, do que penso ver. Assinei minha alforria do palpável e das linhas retas....os círculos também são caminhos de falsas chegadas e/ou partidas. Descrevem trajetórias, tecem histórias, cuja intensidade não se mede pelo número de passos dados. Decidi valorizar os percursos, os aparentes enganos que faziam meus olhos úmidos. A primavera precisa do outono...mesmo as folhas secas têm sua razão de existir, para as novas cores que a natureza em seus ciclos engravida.

Há tanto a sentir, quando nos desvestimos da voz da incredulidade...há um horizonte por demais vasto que nos convida a ir além, porque é de infinito que o coração vive.

Fernanda Guimarães

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Fernanda Guimarães
Enviado por Fernanda Guimarães em 19/02/2005
Reeditado em 25/08/2008
Código do texto: T4711