SAUDADE
Paulo Afonso, 04 de Janeiro de 2014.
Querida Titiu,
Nesse tempo de festa, de união da família, falta sua presença. Tanta coisa mudou por aqui, só o banco velho no alpendre continua o mesmo. (risos). É difícil não lembrar você, embora todos nós pareçamos esquecidos. Ás vezes dói não doer mais, é como se algo nos fosse arrancado e logo nos habituássemos à perda. É como se fosse maior que nós, a lei da vida. Sinto muito querida.
A saudade tem me remetido ás suas cartas de caligrafia desalinhada, de português raso e concordância falha. Mas tão cheia do que queríamos: notícias suas. Hoje sabemos que você nos permitia saber muito pouco, nos resguardava de seus problemas, nos relatava suas alegrias. Quantas vezes tive que sentar sob a convocação de Dona Mãe: “- Hoje vamos respostar a carta de Vande”. Era sempre eu que transcrevia enquanto nossa mãe ditava as notícias da família.
Você demorava muito a vir nos ver, poucas vezes alguém da família foi até São Paulo te visitar, quase sempre por motivos tristes. Quando vinha, se jogava em nossa convivência como um sedento a um copo de água. São desses dias que me recordo mais: das saídas furtivas para um cigarro - pois nunca fumou na frente de nossos pais - do cantarolar de uma música que acabara de ouvir no rádio. São esses gostos que me trazem você: castanha de caju embaixo da quixabeira, umbuzada com fubá.
Sua filha e neto, a quem você não conheceu estiveram conosco no Natal. Ela tem suas crendices, diz que você a ensinou: deu aos nossos pais o filho para batizar, como você fez com ela. Sei que esse seria seu posto, mas você não está aqui, então... Quanto ao seu filho, o perdemos quando você se foi, Gleide nos trás notícias vagas. Temos a foto dele “disputando” um gato com Tálysson, ainda muito pequenos, lembra? Olho pra Tálysson e imagino que o Carlos deva estar um rapaz, não é? Lamentamos não poder vê-lo.
Ás vezes eu encontro pessoas que me lembram de você de alguma forma, talvez o olhar, o sorriso, a maneira que joga o cabelo, a voz grave.
Algumas vezes vejo sua foto tirada na última vez que nos vimos. Fomos à praça, tomamos sorvete, você de vestido vermelho... Se eu soubesse que era a última vez teria te abraçado mais, sorrido mais com suas histórias de adolescente, te levado mais á praça para que você pudesse por mais “vestidos vermelhos”. Mas você se foi, bruscamente e levou consigo um pedaço de cada um de nós. E uma irmã faltando, será sempre uma irmã faltando.
Fique com Deus.
Com todo o meu amor,
Ana Cátia.
(Homenagem à Vande, que nos deixou em 25 de fevereiro de 2005)