Carta para Luciana

Pensei sobre você! Pensei sobre essa menina que certa vez encontrei. "Certa vez", expressão apropriada para tempos idos, onde as rugas já tomaram conta do rosto, momento no qual as ideias costumam fugir...Ainda não é totalmente assim, mas a vida teve seu rumo e já se passaram anos. Os anos não apagaram a lembrança de apenas um encontro com você, que às vezes atribuo a um sonho.

Você era uma menina um pouco mais velha que eu, mas que mesmo assim veio a impressionar-me o espírito. Quando relembro nossa conversa, única que consigo desencavar desta mente emperrada, sinto a paz e a suavidade de uma melodia. Com se você tivesse música nos cabelos compridos que caiam suavemente sobre os ombros; como se sua voz tivesse algo meigo e singelo, inaudível hoje em dia. Foi assim, em uma tarde de algum mês ou ano qualquer...crianças não se prendem a hora, datas ou lugares... estes são atributos dos adultos e eu era uma criança que não prestava a mínima atenção nestes marcadores.

Portanto, não sei precisar data, mês ou ano...apenas o lugar. E este era um ônibus em movimento, que trafegava levando consigo a balbúrdia e a algazarra de estudantes famintos que voltavam para casa. O meio dia se aproximava e o calor se fazia intenso...e a melhor ideia era retornar às brincadeiras de casa, às aventuras pitorescas de vôos extraordinários. Apesar da deficiente memória, sei que estávamos lá. Éramos amigas, devíamos estudar juntas. Digo devíamos, pois nem sei se realmente estudávamos na mesma sala ou série.

É curioso relembrar o instante em que conversávamos, sem lembrar o assunto propriamente dito. Deficiências de uma idade, creio eu. Lembro-me de vários episódios de meus sete, oito anos..contudo, de você, Luciana, restou-me apenas uma cena. Um momento que trago comigo há anos...um momento de despedida. Você dizia ter que partir e do alto de alguma estrada se via casas. Com um sorriso, você me apontou a sua. Em certos momentos tenho a impressão de que o ônibus flutuava e os telhados pareciam solitários e indiferentes. As casas eram tantas, que não consegui identificar em qual delas você morava. Creio que naquele dia sua irmãzinha, muito bonita e brincalhona estava à nossa volta...Lembro-me de ter percebido seus olhos tristes pela partida e já não me lembro se prometemos nos reencontrar.

Os anos se seguiram uns aos outros e não sei exatamente quem era você e no que se tornou. Nos caminhos da mente não consigo esquecer aquela despedida e não entendo porque a relembro com insistência. Às vezes penso ter conhecido você em um sonho. Toda paz, carinho e bondade de seu espírito parece seguir meus passos. Talvez como uma gostosa melodia da infância, ou como o sorriso de uma fada em horas muito tristes e vazias...Sei que você existiu e sei também que depois deste encontro comecei a sentir e a querer gravar com maior precisão os momentos vividos.

Luciana, nos caminhos de hoje, quem muito se despede sou eu. Sempre partindo, não sei se deixo alegrias ou saudades. Sei apenas que continuo a caminhar e talvez, nessas estradas que o tempo traz, ou no cintilar de uma outra estrela, venhamos a nos reencontrar. Assim, talvez, você possa me contar o resto da história e dessa força que nos prende no meio da imensidão...

Até breve!

Ana Izabel JS
Enviado por Ana Izabel JS em 29/12/2013
Código do texto: T4629750
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