Cartas II
Não há alegria sem sofrimento; habilidade sem aprendizado; árvore sem semente; respeito sem amor e não há fim sem começo. Estou tentando aprender a não ter medo daquilo que eu não conheço, me permitindo questionar para eu mesmo responder. E assim vai.
Embora eu sinta que não haverá nenhuma objeção de sua parte eu peço permissão para continuar enviando as cartas. Eu sigo a minha intuição e acho que está dando certo. Não quero de nenhuma forma incomodá-la com os meus pensamentos.
Estou num completo silêncio e isso de fato me faz muito bem. Às vezes, ouço vozes que depois se esquecem de se pronunciar pelos ares e não mais aparecem. Não há muitas visitas por aqui, todos ficam quietos, cada um no seu mundo. É algo a mais que eu gosto. Estar aqui tem seu lado bom, nunca pensei ser egoísmo de minha parte, até porque não vim por que eu quis, e sim por precisar. E estou aqui.
Quando quero sentir a natureza, imaginando-a, me demoro na janela e a ouço suavizar as paredes dos meus sentidos. Sinto cheiros, cheiros bons tal qual um flor. Por vezes, as minhas pernas querem correr, mas não posso. Há muita limitação, se eu pudesse faria muita coisa. Todavia aprendi a ser paciente, tudo o que eu preciso virá.
Muitas vezes, quando a solidão me invade eu temo a ensurdecedora cascata de verdades secretas e ocultas que eu descubro em mim. Não tenho ninguém para dialogar, e como não sinto vontade de ouvir minha voz eu continuo a escrever. Penso que falar é inútil. Não tem ninguém aqui para me ouvir. Não que eu veja.
Acostumei-me com meu recinto que até esqueci como é o calor gostoso do sol, o banho de lua, o barulho das ondas do mar. Só tem árvores e pássaros, ainda bem. Eu tento abastecer minhas energias de vez em quanto. O que eu não falo, eu penso.
O vazio é meu melhor amigo e ele é como uma argila que posso moldar do jeito que eu quiser. Não sinto falta de ninguém por justamente me fazerem acostumar a estar só. E também, porque a hipocrisia não é bem vinda ao meu universo particular. Se tentar, vai perder tempo. Sei que a minha companhia a mim mesmo é até boa. Talvez eu esteja aprendendo a descobrir aquilo que eu não quero mais escolher. Assim, farei escolhas mais produtivas e felizes.
Tive um sonho esses dias. Sonhei que estava lendo um soneto de Luís de Camões “Amor é fogo que arde sem se ver”. Eu lia para alguém e senti uma leve sensação que era você que estava me olhando. O meu coração foi como um despertador a qual me fez lembrar-se de você. E quando eu não espero esse tipo de sensação me invadir, navega dentro de mim um estranho sentimento e vai até o estômago. A minha pele se arrepia e tudo o que está a minha volta perde totalmente a importância.
Faz toda diferença eu escrever essa carta e você ler. Não faria se eu não pudesse te dizer tudo isso, em cachoeiras de palavras o que sinto. Meus pensamentos são ora vazios, ora cheios. Seja perto, seja longe, é um embaralho de ideias constantes.
É o preço que eu acho justo pagar.