CARTA ABERTA A MEU PAI

NO INÍCIO DA MADRUGADA DE 12 DE DEZEMBRO DE 2013

Tu, que abdicaste e partiste, aos 18 anos, da estrutura feudal da tua família de origem, creio que agora, já há mais de duas décadas e meia no Outro Plano, possas compreender as consequências do que não fiz, no tempo de fazê-lo, meu pai.

Tu – sabes agora – também eu, à tua semelhança, precisaria ter partido, com 20, mesmo com 30 anos. Se eu tivesse partido, para me construir, para construir-me um mundo, meu mundo, tu sabes que eu teria voltado, para cuidar de tudo que, afinal, me coube e me cabe cuidar. Tu sabes que eu teria voltado, mas, construída por mim, em mim. Sabes que eu teria voltado, pai.

Não parti, pai, nem aos 20 nem aos 30 anos. Não tive coragem para me construir, nem para construir-me um mundo. Sei que disso, em primeira e última análise, não cabe responsabilidade efetiva a ninguém, senão a mim mesma. Senão a mim mesma, pai.

Não falo de falta de amor. A meu modo, sei que amo e tu o sabes, também. A meu modo, tenho permanecido fiel; também disso sabes, meu pai.

Estou frágil, pai, em todos os sentidos, mais frágil do que qualquer palavra possa dizer. Vivo do jeito que posso, do jeito que consigo, este destino que, afinal, eu mesma determinei para mim. Em verdade, pai, não compreendo mais nada das coisas todas; escapa-me o sentido de tudo; é como se eu não pertencesse mais a este mundo e todas as linguagens se tenham tornado estrangeiras para mim, principalmente a minha própria linguagem. E a sensação de não mais pertencer a nada e de não ser mais reconhecida pelos meus parceiros de viagem nesta vida – talvez sintam eles o mesmo com relação a mim.

Pai, preciso encontrar forças para continuar a servir e, para isso, preciso encontrar, neste presente tempo, força e vontade para servir-me a mim. Vontade e força para servir-me a mim, no ainda possível de me servir porque sem abdicar, é claro, da honra e dos princípios que aprendi contigo, meu pai. Sem abdicar do amor por ela, do amor e da proteção a que ela tem direito. Sei que tu, pai, me podes, efetivamente, compreender.

Estou só, meu pai. Inacreditavelmente, infinitamente... Não sei, não consigo tomar em minhas mãos, segurá-lo, deveras, o destino que me coube, o destino que me restou, que é tudo o que me resta para viver.