SE MORRER... não será a primeira vez

Essa carta eu recebi da minha sobrinha Tanísia Célia Messias Reis durante o tratamento que fiz de um câncer na tireóide. São palavras de gratidão que contam um viés da minha biografia. Venho aqui agradecê-la e celebrar a VIDA!

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Antônio Baltazar, o Antonino, nasceu na noite dos magos. E desde então traz no frágil corpo o sinal da morte que quase o acometera (bronquite/asma) e, na alma, a força de quem lutou para viver (sem bem ao certo saber do que se tratava a existência).

Nessa luta não estava sozinho. Desejava mas só seu desejo não bastava. Era rebento, era menino. Tão delicado, quase quebradiço, ignorante das artimanhas necessárias para vencer a senhora ceifeira que o rondava.

Chorava. E este choro ecoou no coração de quem o gerou e não estava disposta a perdê-lo.

Aqueles olhos azuis, marejados pelo medo de perder o filho... sem a quem recorrer, dedicou ao seu pequeno os cuidados que a vida lhe ensinara. As vezes não se tem nem o que comer, mas o afeto é uma força inexplicável.

Olhos azuis de Luzia fizeram promessas, unguentos e chás. Chomou os magos, os santos e à santo Antônio de quem era devota. Sua humanidade não se atemorizou ao digladiar com a morte que ansiava pelo fruto do seu seio.

Ele, menino bebê, sentia a força daquele olhar oceânico e lutava. As preces foram atendidas quando parecia não haver esperança. Como planta destinada ao fim pela seca e que resiste contra todas as expectativas ele venceu. Ganhou o nome do santo e do mago como sinal do milagre de sua vida. Mas ninguém sabia que, mais do isso, ganhara olhos clarividentes.

Tão cedo soube a dor da condição humana, compreendeu os laços do amor e do medo, descobriu que a morte que um dia enfrentara monta guarda a vida toda e que a luta é diária. Daí sempre estar na defesa, sempre encouraçado. Quem pode adentrar suas barreiras?

Testemunhou a fome, a saudade, a tirania, o amor, as mentiras, as paixões, os desejos e as histórias... Ah, estas sim o conquistaram. Do seu quarto os limites geográficos e temporais se desvaneceram. Com seus livros viajou o mundo no tempo. Conheceu nobrezas, odisseias, ideias e ideologias. Compreendeu que o ser humano convida a morte a embrenhar-se pela vida e isso o corroeu por dentro.

Sem forças pensou não haver sentido, significado ou significante. Mas era mago, um magro mago, herdeiro da clarividência, um sonhador. Se não sonha para si sonha para quem ama e munido de pincéis colore a vida de quem se esqueceu dos tons das cores.

Não, este mago não deixa ninguém se aproximar. Sua dor é só sua. Somente ela não se nomeia em voz alta. No mais as palavras são suas armas. É, ele bem sabe que a palavra está na criação e destruição de todas as coisas. Não pretende fincar raízes pois é nômade nesta vida.

Sabe lutar mas nunca soube o porque e nem como contrariar este instinto que o leva. Para onde? Para frente? Para o futuro? Para o passado?

Ora, esqueçam-se os ponteiros, o tempo e as perguntas. Não há a boa resposta que explique. A vida é lógica em uma razão incompreensível até para o próprio mago clarividente que vê o que ninguém vê.

Ao fitar a alma de quem ama lhes doa uma porção generosa do desconhecido que há em si, desconhecido que reaviva e engana, mais uma vez, a morte.

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 13/11/2013
Reeditado em 04/12/2013
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