CARTA À EXUPÉRY

Meu caro amigo, Senhor das areias e estrelas

Digo amigo, pois já me conheces, e a ti posso confidenciar-me...

Encontrei-me em você, e chorei... Como me conhece assim? Seguramente, antes mesmo do meu nascimento, suas palavras já refletiam e cintilavam consciências entre as areias e as estrelas, nessa tão antiga, Terra dos homens.

Que belo feito, consegue palavra por palavra entranhar na minha mais profunda pulsação. Como pôde numa cadência tão precisa confirmar devaneios mais íntimos do meu ser? Dos meus questionamentos mais simples aos mais longínquos, entre as areias e as estrelas, você pode ser o espelho límpido de um Eu, que às vezes encontra-se deslocado num mundo de movimentos tão diversos e tão freqüentes, um Eu de necessidade de viver, porém de contemplar, um Eu.

Sinto-me no dever de desabafar-lhe...

Desde que lhe encontrei no deserto, lhe acompanho, e criou-se um vínculo, e este, hoje, já é parte de mim. Mas com você, nessa Terra dos homens, a cada volta de vírgula me sentia despida de qualquer possível máscara de conveniência, quando encontrava em poucas linhas, na sua palavra, a revelação... és tradutor exímio do idioma, em alguns momentos intraduzíveis, o idioma universal do sentimento humano.

Você, meu amigo, detentor da bela arte de chegar ao coração, estréia para mim em letras, que a condição para compreender se faz necessário o sentir, pois assim serei a compreensão, e que, para nós nessa Terra, é necessário percorrer, providos de orientação, o caminho, a ponte que liga a consciência ao sentimento, entre jardins e precipícios dessa Terra dos Homens.

Certa vez, você dizia que, “aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós. “

Aos meus olhos, o espaço entre as areias e as estrelas é tão imenso nas dimensões físicas que não ouso a medi-lo, mas sob o olhar do invisível, a real distância, medidas e revelada nas suas palavras, é similar à distância da ponte, desta que liga a consciência ao sentimento, desta entre jardins e precipícios dessa Terra dos Homens.

Deitada nestas areias encarando-o na bacia da noite de abundantes pontos cintilantes, Pergunto-lhe: como pôde me revelar o pouco de mim, no que eu carrego do pouco de ti? Como você levou um pouco de mim? A resposta deve estar neste espaço...entre as areias e as estrelas.

Nesta Terra dos homens, suas palavras eternas passaram por mim, mas na verdade não passaram. Já as carrego para onde vou, pois, na verdade, correm em cima da ponte, correm em minhas veias.

Acho que serei então Eu, mais um aviador, decolando das areias a sorrir às estrelas...