Carta-resposta

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Carta-resposta

Eu queria que você me pertencesse. Não como objeto nem enfeite. Queria que fosse minha e mandasse nos meus sentidos e desejos. Afinal, eles harmonizam com os seus, pois o temor e o aparente descontrole das pulsações do seu corpo somente existem porque, apesar de a alma transparente estar entregue, a materialidade, por puro medo, insiste na fuga.

Aprender é essencial. Aceitar. Recusar. O “sim”, o “não” e o “talvez...” São três possibilidades, mas apenas as duas primeiras merecem o meu devotamento. Devemos ponderar, é verdade. Devemos refletir antes de deliberar. Até concordo que no maniqueísmo residam a força e a origem dos preconceitos e de muitas das nossas macabras ideologias. Criar monstros e santos, heróis e bandidos, ingênuos seres e dissimulados homens, tem muito dessa percepção dualista e dos antípodas, da vida e das pessoas. Quando, porém, tratamos de relações a dois, embora fatores externos possam decidir, destruindo possibilidades, o ‘talvez’ implica ‘não’ e, deveras, angustia. E por que aflige quem espera? Porque prende! Se a sensação de se estar preso for mera fantasia; se quem faz esperar diz ‘talvez’ sabendo que a resposta é ‘não’, a postergação é sofrimento diferido e o status da dúvida tem caráter de sadismo. Se quem faz esperar diz ‘talvez’, desejando ardentemente falar ‘sim’, o adiamento traduz-se em tolice. Por que o charme do medo? Viver é continuidade e a cada alvorecer, ganhamos um dia e perdemos, também, mais um.

O homem sempre criou simbolismos. Eufemizar a vida, mitigando dores, ou amenizando declarações, ajudam, mas isso não é absoluto. No lúdico digladiar entre a razão e a emoção (luta renhida), a verdade deve prevalecer... Embora o ‘talvez’, para os otimistas, signifique esperança... Quando o que desejamos dizer não é dito, estamos dissimulando ou fugindo, pois ‘a consciência é o mais severo acusador do culpado’. Buscar definitiva resposta não é sinal de pressa. No máximo, resquícios da angústia que se prolonga no tempo da espera. Entender, portanto, os desentendimentos como casuísmos é sinal de miopia sentimental, egoísmo. As discussões, todas elas, têm fundamento na espera que parece perpetuar-se no tempo e nasceram da dicotomia entre um que busca e outro que foge... E por que o ‘talvez’ aflige quem o diz? Porque, independentemente da resposta definitiva, ele também se mantém preso. A menos que, às escondidas, esteja voando nos braços da infidelidade.

Os corpos sinalizam quando temos febre, pedindo tratamento. Certos avisos, entretanto, dependem da experimentação. Nossos limites são proporcionais à nossa ousadia. Se nos permitimos conhecer da vida e de nós mesmos apenas o superficial, viveremos margeando nossa existência – nunca entraremos nem conheceremos os perigos que incursões mais efetivas poderiam nos reservar. Não é questão de querer perceber, mas de ser apresentado ao novo. ‘Quando dois não sabem, um engana o outro’, vivem nas sombras e adoram! Lá fora, a luz continuará linda e impassível, a sorrir de quem nas trevas vive, achando que a escuridão é tudo.

Por que o medo de assustar-se? Prefere a monotonia? Elegeu contar os dias como sucessão de horas de trabalho? ‘Amanhã, trabalharei bastante... ’. É nessa perspectiva que deita, esperando que o amanhecer seja de lutas? O trabalho cristaliza as pulsações do corpo. Somente o amor, o desconhecido e o medo podem fazer nossos corações pulsarem muito além dos nossos desejos. Espantar-se faz bem! Vozes que permeiam nossos desejos e nos tiram a noção de pertencimento não deveriam, nunca, ser espancadas nem afastadas de nós. Quem foge dos arrepios da alma merece sentir o assombro dos assaltos!

A mente nos controla. O descontrole que transcende nosso entendimento, entretanto, vem da alma. Arrepiar-se sem contato somente se justifica quando o campo de atração não está dentro de nós, mas nos busca, de longe, em infindáveis manifestações de desejo. Autorretratar os Raios-x, verificando artérias e veias não resolve, pois o ato-reflexo da aproximação não depende de raios, mas de atitudes. Distante, cerrado em reiteradas demonstrações de desconfianças, nenhum coração transporá a barreira do intempestivo medo. Se nas ranhuras do diagnóstico existem sinais de que a cura depende do contato, por que insistir na fuga? Estaria testando sua capacidade de maltratar quem dissecou seus sentimentos, pondo à prova a resiliência de quem espera? Os corpos e os materiais possuem limites que, se atingidos, podem esfacelar-lhes a capacidade restaurativa.

Independente de direção, se dois corpos se movem no mesmo sentido, harmoniosamente, mantendo constantes suas velocidades, o mundo pode girar, mudar, explodir... Para eles, existirá repouso relativo. Portanto, se mudarem o azimute, surgirão dois novos sentidos que não os afetará.

Temos nossas próprias estações, o ‘Chronos’ e o ‘Kairós’, o tempo do homem e o tempo de Deus. Nesse novel simbolismo, desejar tornar-se ponteiros, pluralizado, fundindo dois corpos num único entendimento, é o ápice da loucura justificadora da ausência. Não somos metades buscando complementação; somos inteiros e, se desejamos coabitar, nossos diferentes tempos, um voando na razão dos ‘minutos’ e o outro reproduzindo as ‘horas’, merecemos estar juntos na histórica e renomada marca de relojoaria denominada ‘Vida a dois’. Somos distintas velocidades mensurando o tempo. Quando nos entrecruzamos, o aparente contato, um parecendo suplantar o outro, não nos afeta. Há giros, há demarcações de espaço, mas nos regulamos sempre em trezentos e sessenta graus, dentro do espaço amostral da vida. Tudo deve acontecer dentro desses limites e, mesmo sem contato, há entrelaçar momentâneo de aparências. Se os ponteiros travam, isso justificaria a existência do relojoeiro. É ele quem abre e investiga o enigmático que se esconde por detrás das carcaças... Então, por que não se deixar burilar pelo ourives que busca lapidar a preciosidade da pulseira dourada que carrega, polindo de carinhos e afabilidade sua atraente e sedutora feminilidade? Abra o fecho da pulseira. Permita que meu braço seja a companhia do seu pulso, por onde singram as pulsações do seu corpo. Perceba-se como fêmea.

Razão. Emoção. Duas faces da busca. Pela razão busco entendimento; pela emoção, contentamento. Siga, apenas siga. O que for bom prevalecerá. Não tem a quem obedecer – não há ordens! “Seu coração está na mente...” Siga, repetindo essa assertiva, mas prossiga... Aonde você quer ir? Pergunte ao seu coração, buscando a resposta na razão – e se imagine nas coincidências dos ponteiros, um sobrepondo-se ao outro, como dois corpos. Se essa alegoria causou novos arrepios, então foi dada a resposta: coração e mente decidiram buscar.

Imaginar a vida sem sorrisos e tristezas é dissociar-se da realidade humana. Lágrimas, todavia, podem significar manifestação de excessivo prazer! ‘Ai, que delícia!’... ‘Ai, que delícia!’... ‘Ai, que delícia!’... Nessa hora, houve sobreposição de ponteiros, um dentro do outro, engatados pelo centro das semirretas e dos ângulos que originaram os delírios da sublimação. Se viver for sucessão de resultantes, também pode ser sucessão de saídas e revisitações. O movimento é pendular. Sobe. Desce. Entra. Sai... É dessa liberdade que nos habita quando estamos flechados que dependem nossas mais intensas pulsações corporais. E o amor, espanto risonho, doerá dentro de nós, sim, quando sufocado pelo grito do silêncio.

Desejei pertencer-me, voltar a ser de mim mesmo. Infelizmente, adentrou na floresta uma fêmea assustada que desejo cuidar. Ela invadiu um mundo novo, que conheço bem, mas, apesar da experiência, o deslumbramento que me causou também apavora. Estamos assustados, pressentimos que a noite, enxertada de encantos e mistérios, ainda nos colocará frente a frente.

Observando a Lua, minha natureza selvagem e meu faro de selvícola me revelam que ela está por perto, insegura, sem rumo... Se for verdade que corações dependem de contatos para que pulsem mais fortemente, quero experimentar o furor das ranhuras que certamente me marcarão a pele!

Da floresta, de insondáveis incertezas que apavoram, pressinto que a Lua, iluminando caminhos, testemunhará indescritível cópula entre o lobo sedento e a fêmea voraz que, denunciando a entrega, uivará para o breu da mata virgem: Uhhh!

Valeu a pena!

Nijair Araújo Pinto

Iguatu-CE, 26 de outubro de 2013.

14h59min

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Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 26/10/2013
Reeditado em 17/07/2017
Código do texto: T4543081
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