Reedição.
Carta para Clenir
Valdemiro Mendonça
Carta para Clenir
Valdemiro Mendonça
Algum lugar da floresta amazônica. em: 20/06/2001 Minha doce amada Na mata grande e escura, deitado neste chão duro da tenda tosca, a minha única distração é pensar em você enquanto o sono não chega. No início, foi difícil me acostumar aos ruídos da mata, pois parece um pesadelo quando o grito de um pássaro rompe a noite, tem-se a impressão que um animal feroz o tenha pegado para seu jantar. O grito acorda todas as criaturas da floresta que fazem juntos um dueto de vozes assustadoras e como um grande coral bem afinado cessa de repente deixando a mata em silêncio.
Agora estou me acostumando e sei que logo que cessa o barulho, voltam os sons das criaturas de hábitos noturnos que estou aprendendo a identificar, a coruja com seu pio de fantasma, o bacurau no seu: “amanhã eu vou” e outros incontáveis ruídos que não me fazem mais medo, pois os grandes predadores como as onças parecem evitar a presença do homem. As lendas caboclas que os moradores fazem questão de manterem vivas como as aparições da cobra grande que tem o tamanho e a grossura de uma árvore e é capaz de engolir um barco inteiro, não assustam a quem como eu não acredita.
À noite enquanto fazemos o (quilo) "quimo" do jantar os auxiliares e guias relembram estas lendas e contam causos acontecidos com eles que se não são verdades, são muito bem ensaiados e decorados. Minha querida estes homens temerários, que são simples nas suas ambições, são verdadeiros heróis destas matas ás vezes nascendo e morrendo aqui sem conhecerem uma cidade grande. Deveriam ser mais bem tratados pelo nosso governo, pois são os brasileiros de verdade, que tem amor aos rios, as plantas aos bichos e que conhecem a fundo esta grande riqueza do Brasil. Enquanto eles falam, eu olho as estrelas, gostaria que você estivesse aqui para vê-las, são tantas e tão brilhantes que faz jus a maneira carinhosa dos nativos que dormem numa rede e dizem que seu cobertor é o manto estrelado de Deus.
Quando uma lua cheia se abre sobre a mata, os raios prateados entram aos borbotões entre as copas das árvores e criam milhares de cores e me deixa extasiado imaginando que se você estivesse aqui certamente teríamos vontade de fazer amor para completar o quadro que só pode ser isto, uma obra de amor. Durante o dia milhares de pássaros desfilam suas cores e soltam seus cantos maviosos enchendo a floresta de sons mágicos. Mais uma vez eu gostaria que estivesse comigo, pois cantaríamos junto com esta orquestra regida pela natureza e seriamos parte desta maravilha e como os mateiros aprenderíamos a sobreviver com pouco e ajudaríamos a preservar esta dádiva de Deus aos homens que a destroem por que não a conhecem como eu a estou conhecendo, não vêem suas águas límpidas, suas cachoeiras ribombantes suas riquezas vegetais, sua biodiversidade única. Infelizmente também catalogamos restos de muitas árvores destruídas por incêndios criminosos feitos por grileiros e pessoas sem escrúpulos que amealham milhões a custa da destruição de um patrimônio que só o Brasil tem igual.
Breve nosso trabalho terminará e vamos enviar nossas observações e fotografias a todos os brasileiros para que despertem sua consciência para a riqueza grandiosa da Amazônia brasileira. Quem sabe protestem contra sua destruição pintando as cores da pátria no rosto e fazendo valer a força da nação unida numa causa que vai assegurar que as gerações futuras possam vivenciar estas maravilhas. Agora vou dormir, se estiver lendo esta carta, agradeça ao comando de selva a maior arma de defesa das nossas matas, eles são os anjos que levam a esperança de cura de doenças aos mais distantes lugares da selva e são os guardiões das nossas fronteiras e talvez o baluarte único que irão encontrar aqueles que ousarem tentar roubar nosso tesouro. Eles, junto com os nativos e indígenas, é que irão combater as forças que cobiçam estas riquezas. Um tenente enfermeiro atendeu meu pedido de lhe enviar a carta.
Beijos minha amada, quando meus olhos se fecharem estarei pensando em você e ansiando que chegue o dia de revê-la, apertá-la nos braços e dizer que a amo. com muita saudades;
Amazonas
Valdemiro Mendonça
Valdemiro Mendonça
Do piar sonoro do inhambu
ao canto melódico do sabiá,
no grasnar faminto do jacu
o canto mavioso do irapuru,
fazem toda a mata acordar.
Uma borboleta voa silente
em cores vivas e brilhantes,
fazem sair da minha mente
versos que formam repente
facetados como os diamantes.
O rio grande em corredeira
nas pedras no tempo polidas,
e fazendo uma grande zoeira
quando salta num cachoeira
com a força da sua investida.
E as águas vão se ajuntando
nos igarapés que vão alagar,
a mata que vai sustentando
a vida que ali se procriando,
manterão a vida do rio mar.
Trovador