MATURIDADE E SUAS MÁSCARAS

Tu sempre serás a menina construída na infância. O que veio depois dela são meras seqüelas do tempo de viver. O fio de linha do existir sem escolha. Uma espécie de mesmice que acompanha o tracejar dos dias, seja mulher, seja homem.

O certo, o certinho mesmo, é que tu és a encarnação daquela linda boneca desengonçada, travessa, loquaz no aprendizado.

Nestes tempos do agora, a boneca – estridente peça eletrônica sem alma – caminha, não ri e pouco chora, a não ser que lhe façam cócegas na barriguinha, acionando o mecanismo que mimetiza o humano.

O vulto dela, a esguia silhueta da Barbie passadiça, faz-se presente no ato da maquilagem ao espelho de todas as manhãs. Também nos rituais sem graça que permeiam o decorrer dos dias, mas que reproduzem o palco de viver em público.

Talvez um pouco por isso, os animais domésticos quase sempre acompanhem as bonecas transeuntes da atualidade.

Talvez pelo medo da troca de fetiches é que os donos de supermercados não deixam cães e gatos entrar em suas lojas, exceto aqueles que têm seções que vendem bichanos domésticos.

Pobres das deambulantes patricinhas! Se tivessem descoberto os bichinhos ao tempo da infância, bonecas nunca teriam vez no bolso de seus pais.

Bonecas continuam vendendo muito, custam caro, nada comem, nada excretam, não ficam doentes.

Da boneca desengonçada, o que se salvou em ti permanece como um gênio tímido. Tem vontade fazer pipi e não pede, porque morre de temores e arrepios do que vão pensar os outros, principalmente as mulheres de sua geração.

E o que dirá, no futuro, a mulher da geração atual, em que as bonecas da infância se esfumam na virtualidade do vídeo, da televisão e do micro?

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006 / 2007.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/453949