Carta
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Sentir saudade, normalmente, pressupõe contato. Nas fotos que ficaram para trás buscamos manter viva a imagem de quem partiu; nos objetos compartilhados e nas roupas que vimos vestir o corpo ausente, mais recordações, cheiros e saudade, muita saudade...
Sim, normalmente. Apenas normalmente a saudade pressupõe contato. Os exageros fatalistas, as pregações do absoluto e todo excesso merecem reparos. E meu coração, agora, contrariando as expectativas da naturalidade, sente saudade de quem nunca veio. Sente saudade da foto que representa um corpo – que me é estranho, embora tenha sido meu; da voz que me transmite carinho, afeto, desejo, busca, sonhos e, principalmente, medo. O temor é dádiva! Ele espanta, mas nos retira da calmaria... E o espantar-se com as imprevisibilidades da vida não deveria ser razão de fuga, apenas de deleite. Por que fugir dos sonhos? Por que buscar justificativas para adiar o que sabemos inevitável? Se haverá tentativa, cada dia postergado nada mais é que tempo diluído nos braços da solidão – caminhar sozinho quando se poderia estar a dois.
Haveria pressa, cobranças? Desejar um encontro. Sentar. Conversar. Bater aquele papinho descontraído, onde as gargalhadas demonstram que as tolices redescobrem os fios embaralhados das teias cardíacas. Que maravilha dar a quem observa a sensação de que há loucura em debate – Sim! O amor é a sensibilidade da lucidez posta a descoberto. Quando corações enamorados sentam e coabitam o verbo, tudo flui da alma e os fantasmas, quando aparecem, espantam somente o mundo exterior. Para os apaixonados – loucos –, a única insanidade permitida é a de sorrir feito pueril criança, com a simples presença. Para que discursos? A pausa e o silenciar se bastam, pois nos olhos estão todas as declarações de amor. E do brilho do olhar, desse portal que nos descortina, pode quem passa se deleitar... Quem não percebe um olhar de quem ama? Quem não se contamina quando fios de energia incorpórea, unidos pelo liame da unção, fundem-se em tremores, vibrações e contrações dos músculos da carne que se entregam ao clímax da alma alvejada pelo amor?
Se existem a pressa, a cobrança e o medo... Inexistiria a certeza do sentimento? Desejar demais, parecer intransigente, quase forçando algo real, e o temor de o tempo arrefecer tudo, revelando que era apenas fantasia que habitava dentro das nossas carências temporais, tornaria tudo sem sentido e tresloucado?
As falas e declarações demonstram afetividade e aceitação. Entretanto, falta o toque – é a varinha da fada que provoca o milagre! São as badaladas da meia-noite que escondem as princesas. As bruxarias, os pedidos, as simpatias, tudo pode ser feito à distância, mas o efeito e a magia, o encantamento e o milagre, dependem do toque. Jesus curava tocando e, pela fé, brotava o prodígio! Temos o fascínio da voz que nos espanta e nos torna viajantes. Temos os sussurros das confidências – de quando nos tornamos cúmplices, sem receios da queda! Nessas horas, tudo o que buscamos e desejamos é o grito do outro que nos silencia a alma e nos enlouquece o corpo. Ardemos. Sublimamos. Paramos no tempo e criamos a nossa realidade finita, infelizmente. Depois do transe, o arrependimento. E a sensação de que nos tornamos estranhos outra vez.
Dormimos. Novo alvorar, aurora de insondáveis buscas. E o ressentimento, o sentir-se culpado? Não amanheceu conosco. Novamente, a saudade surge, forçosa e naturalmente (paradoxo?) nos buscamos. Minutos depois, alheios a nossas convicções, damos adeus e ceifamos todas as promessas do primeiro olhar, ainda inexistente.
Desavergonhados, brincamos de amar e de amor. Tateamos vazios, preenchemos carências, desnudamos vozes e dilaceramos nossos corações que sentem cada insensatez que cometemos em nome daquilo que nunca deixará de ser humano: o medo.
Temer a presença seria a angústia apavorante da incapacidade de aceitar nova partida? Na finitude da vida, não seria egoísmo sufocar a liberdade das permanências? Se viver fosse voar, desejaria conhecer todos os mundos, sem me deixar seduzir nem macular por nenhum deles; sem me deixar inebriar em nenhum dos ninhos, pois viver seria a liberdade de permanecer, onde meu coração, embora livre, se sentisse seguro.
Estou enfeitiçado. Fulminante foi a magia, mas, enquanto não existir o toque, permanecerei esperando e sentindo saudade de quem nunca veio...
Iguatu-CE, 21 de outubro de 2013.
18h07min
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