Uma carta com destino certo
A vida nos prega peças inesquecíveis e até engraçadas. Imagina você que, num certo dia de décadas passadas, pensei que poderia ser um político diferente, um representante da comunidade que resolveria o problema mais agudo da população que, a meu ver, era a educação das crianças do ensino fundamental. Para isto me candidatei a uma vaga de Vereador em uma cidade bem pequena do estado de Minas Gerais. Ledo engano!
Um pouco envergonhado, no início, saía às ruas para pedir os benditos votos. Nunca vi nada mais difícil, são caminhadas longas e às vezes quase insuportáveis. Mas nada me fazia desistir da ideia, pois que, a maior parte da minha vida profissional foi dando aula: ora em universidade, ora em cursinhos, ora em escolas do segundo grau e muitas vezes nas casas dos próprios alunos (aulas de reforço). Hoje sou voluntário em uma escola pública aqui do Distrito Federal, onde ensino adolescentes a lerem poemas dos mais variados poetas. Uma tarefa bastante complicada, mas recompensadora e instigante.
Todas as vezes que chegava na casa do eleitor eu anotava o seu nome e o seu endereço, já com a intenção de agradece-lo ao final da eleição. Esta tarefa me custava alguns minutos extras pois, alguns ficavam meio reticentes com essa atitude, mas mesmo assim, eu acabava conseguindo o que queria. Uma curiosidade: uma parte significativa dos moradores era mais conhecida pelos apelidos que ostentavam.
Já no final da campanha, me disseram que havia um morador num grotão de difícil acesso e que, certamente, ninguém havia se disposto a ir até ele. Como eu estava meio inquieto revolvi que iria à casa dele para ver se descolava um voto. Caminhei com o sol a pino por algumas horas. Não havia estrada para aquele recanto escondido no meio do mato. Em um dado momento, parei no sopé do morro quase sem fôlego, pensei... que voto é esse? Quando enfim cheguei ao casebre, lá estava, na parede da sala, a foto do seu candidato (não era a minha). Conversamos por um logo tempo, até porque eu precisava de alguns minutos para recuperar os ânimos e encarar a subida do morro que me aguardava em silêncio angelical. Na saída pedi o seu voto, mesmo sabendo que não o teria, mas afinal havia ido lá com esse propósito. Ele, no seu jeito mineiro, olhou-me de rabo de olho como se fosse um felino acuado e me disse: prometi a mim mesmo que o meu voto seria daquele que viesse me visitar primeiro. É tão raro uma pessoa vir até aqui, que fico esperando as eleições com uma certa ansiedade. Este ano, felizmente, recebi a sua visita e a de um dos seus ferrenhos adversários, estou duplamente feliz.
As eleições passaram, não fui eleito, mas tive o prazer de escrever uma carta para cada um daqueles eleitores. Algumas foram entregues pelo agente do correio, outras pedi a vizinhos que entregassem. Não sei quantas chegaram aos destinatários, fiz o que achava ser possível.
Passados mais de dez anos, andando pelas ruas da cidadezinha, um senhor de cabelos mais grisalhos que os meus me perguntou: sabe quem eu sou? Olhei desconfiado, sem saber quem era, respondi no susto: infelizmente não me recordo da sua fisionomia. Ele riu docemente. Com a voz embargada confidenciou: a carta que o senhor me mandou foi a única que recebi em toda a minha vida, obrigado!
Nunca mais me candidatei a nada, a experiência foi tão rica quanto o abraço prolongado que recebi daquele quase meu eleitor. Não sei se ele ainda guarda a minha carta, mas aquele olhar de homem sagaz não sai da minha cabeça.
Um abraço!
BSB, 30/08/2013