A VERTENTE DA PALAVRA: SALVAÇÃO?

Amada Marilú Duarte! Peço imensas escusas por não poder atender ao pedido de que viesse a registrar por escrito o que eu disse de público, quando recebemos a comitiva do Movimento Coordenador de Publicações ABRACE, provindo de Montevidéu, quando de sua estada aí em Jaguarão, cidade tão amada de todos nós. E como eu gostaria de ser um computador, só pra te atender, no mérito do pedido, comportadamente!

Explico, penhorado. Tu sabes que sou um incorrigível verbalizador das circunstâncias do imprevisível. Jamais saberei repetir o que faço nem o que digo... Apenas tento fazer o certo, nem sempre muito certo, segundo alguns, mas politicamente correto segundo a minha pobre cabeça. Mas nunca saberei repetir o que disse. Se não há gravação do improviso, prefiro que fique o que foi dito e ouvido... Sempre fica algo na cabeça dos que estiveram presentes.

Como o que importa é o momento – num país jovem, que não tem memória –, não te preocupes com os registros de imprensa. Em um país que não lê, isto tem mínima importância. Só serve de gabolice para os outros saberem que nós, escritores, somos diferentes. E será que somos mesmo?

Como já passei pelos tormentosos segundos (ou minutos) do sucesso faz algum tempo, é melhor ver o que se diz daquilo que se disse. Fica a imagem do bobo-da-corte... Afinal, somos sempre isto, com esta mania de querer mudar o mundo. Mas nem todos pensam assim, nem todos querem o que queremos. Mas será que muitos querem mesmo nos acompanhar?

Estou tomando, neste momento, em tua rememoração, um dos bons vinhos que me deste. Estes valem mais do que o eventual e esquecível registro em letra de forma. Grato por tudo.

Disseram-me que em Pelotas repercutiu muito favoravelmente o que eu disse na TV e que veio a público no Jornal do Almoço, como me havias comentado.

Estamos ficando velhos, e os velhos são inofensivos em suas gerações. Só um século depois de dito, feito, e registrado em livro, passam os veteranos a representar algumas verdades. Até então, são meros linguarudos, rememoráveis na pública e parda memória.

A cidade de Jaguarão merece, porque sabe receber o forasteiro, e isto inspira o orador, o qual, só à lembrança do vinho (que se tornará verdadeiro e com buquet, ao se chegar em casa) a vertente da palavra faz riacho e canto.

Tu, em particular, mereces todos os encômios e loas, porque sabes ser muito gente, muito pessoa, muito amor! Deus te guarde na Sua imensa benevolência para com os vivos. E não nos esqueça!

Tu fazes de tua aldeia o caminho do mundo, como Fernando Pessoa fez com o Tejo, o rio de sua memorável aldeia, na roupagem de Alberto Caieiro.

O que importa é que os irmãos escritores sul-americanos ouviram, comeram, beberam e lamberam os beiços com o Brasil pujante, no dorso do rio Jaguarão, falquejando estradas vicinais para chegar ao outro lado da ponte Mauá. E faz quase um século que o povo humilde faz este caminho, por serem chibeiros, sofridos mascates, andarilhos de línguas e pátrias.

Porque gostoso mesmo é o Mercosul mastigado em portunhol, traduzindo esperanças de vida melhor. A recente Zona Franca de Rio Branco (livre de impostos) que o diga! Os ventos de prosperidade produzidos pelo Real valendo 50% do dólar americano abatem-se como um furacão sobre os outrora prósperos negócios do lado brasileiro.

De que adianta falar de sonhos e futuros se os pobres precisam ter comida barata na mesa? Afinal, eles não comem versos e prosas, nem conhecem, e por isto não respeitam o eventual brilho dos quixotescos poetas falando de patriadas e liberdades.

Vale mais a carne gorda e macia, o vinho e a cachaça!

Beijos de teu irmão poetinha Joaquim Moncks.

– Do livro CONFESSIONÁRIO – Diálogos entre a Prosa e a Poesia, 2006 / 2007.

http://www.recantodasletras.com.br/cartas/445212