O SAPEQUINHA DO ALTER EGO

Estimada amiga! Já li a tua primeira obra faz algum tempo, e, por experiência no trato da crítica literária, também por pensar te conhecer ainda que superficialmente, deixei de fazer minhas observações analíticas devido a não achar oportuno e conveniente, porque eu tinha em conta, por antecipação, o que agora em aberto expressas: "Confesso que estou ansiosa e temerosa de suas críticas a uma reles pretensa escritora como eu.". Como o livro já está escrito, e não se trata de obra que necessite de exame analítico-estético para a sua publicação, entendi que poderia te desagradar ao fazer alguma abordagem com maior profundidade teórico-estética. Se bem que o teu livro tem, realmente, muitos bons poemas. Parece-me que, enfim, levando em conta não seres uma contumaz leitora do que escrevo no Recanto das Letras, especialmente nas categorias TEORIA LITERÁRIA, ENSAIOS, TUTORIAIS e MENSAGENS, e não se haver estabelecido uma intimidade literária entre nós, eis que não constatei ‘comentários’ aos referidos textos, de modo a que pudesses "abrir os meus textos"... Assim, não haveria como entender determinados conceitos que viesse a exprimir com o uso dos (meus) vocábulos do ofício. Em regra, espero este comportamento dos leitores, e mergulharíamos juntos tentando ficar a par das dificuldades no estudo de determinados ângulos da análise crítica e da experimentação que os textos podem indicar e chegarmos a eventuais novos caminhos estético-formais. Todavia, poderás estudá-los a partir de agora, deixando os teus conceitos ao pé dos textos, no RL, acaso este proceder te agrade... Ao demais, não és uma “pretensa escritora”, como te autodenominas, e sim uma escritora em formação, em quem percebo bom patamar estético, a par do teu estro e com a observação dos textos constantes no teu livro. Tenho muito cuidado com autores com quem não tenho convivência presencial. A palavra, quando atinge os conceitos do autor, pode ser uma armadilha, dardo ou gume capaz de ferir. Numa obra já exposta ao público, raras vezes o criador estará disposto a aceitar a antítese analítica, pois sempre a vê como uma provocação ao seu EGO... Sequer se apercebe que, particularmente em Poesia, o EGO nada escreve e quem constrói o poema é o sapequinha do alter ego, através de seus heterônimos ou ele-mesmo-o outro, como identificou Fernando Pessoa. Peço escusas se frustrei as tuas expectativas...

– Do livro A FABRICAÇÃO DO REAL, 2013.

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