Confissões de um Inverno Parte 1 (Escrito em 2011)

18 Junho 2009 Quinta-feira

Eu estava ali, parada. Sentada na minha classe, como sempre. Estava girando os polegares no ar. Eles faziam círculos entre si. De vez em quando faziam cócegas um no outro. A professora falava sobre povos escravizados, algo assim, mas eu não podia prestar atenção porque os meus egos estavam brigando dentro da minha mente.

A turma estava distraída. De vez em quando os alunos desviavam o olhar de seus cadernos e nunca olhavam pra mim. E quando olhavam pra mim, dava a impressão de que estavam olhando pra um espaço vazio, um nada. Eu estava tentando ignorar a minha melhor amiga que estava sentada ao meu lado, Sofia. Havíamos tido uma discussão curta. Eu estava com raiva porque ela faria um curso profissionalizante, e eu não. Tudo porque minha mãe desconfiava de qualquer oportunidade que aparecia pra mim.

“Você não vê nada no espelho!”; dizia um deles. “Não pense nisso! Você é alguém importante!”; contradizia outro. “Se seu pai nunca te amou, porque ELE poderia te amar?”, “Seus pais se separaram por sua culpa”, “Você é feia e gorda, vai morrer velha e sozinha”.

De todas as vozes que berravam na minha mente, a voz que soava mais baixo era a única a meu favor, as outras me condenavam. Talvez a voz mais baixa fosse a minha autoestima ou o que restou de alguma esperança que eu tinha.

O barulho alto que vinha da turma me deixou um pouco tonta. Estavam todos conversando alto e falando coisas que eu não podia entender. Coisas que se embaraçavam na minha cabeça. Só percebi que a aula havia terminado quando outra professora entrou pela porta e apagou o que estava no quadro.

Me espreguicei e bocejei em seguida. Eu estava exausta pela noite mal dormida passada. Eu ouvia a voz da professora, mas não entendia uma palavra do que ela dizia, eu estava distraída. Todos com seus rostos curiosos ouvindo atentamente o que ela dizia e eu era a única que ficava distraída, a única perdida dali.

“Porque não corre pros braços DELE? É porque ELE não te quer, não é?”, “Tsc-tsc-tsc, de que adiantou ficar o mais bonita que podia se ELE nem reparou em você?”, “Agora você é só lixo pra ELE”, “ELE está rindo pelas suas costas”, “Parem! Já chega! ELE gosta dela como amiga, ELE é um cara legal”, “A quem quer enganar? ELE é um idiota, te magoou”, “Te magoou como todos os outros fizeram”, “Será que o problema é mesmo com todos ‘ELES’?”, “‘ELES’ só te usaram e agora você não serve pra mais nada”, “Você é só lixo”; gritavam todos eles, menos um. Tentei me manter calma e engoli o choro.

De repente voltei pra sala de aula. Foi um barulho do relógio de alguém que me acordou. Parei com os dedos. Eles começaram a doer e ficarem gelados. Absorveram o clima daquele dia. Estava frio e nublado.

Respirei fundo. Olhei em volta sem procurar nada, só observei. “Presente”, foi a única coisa que eu disse depois da professora ler o meu nome na lista de chamada.

- Ali é um três? – ouvi a voz de Sofia ao meu lado.

- Hum? – murmurei sem entender a pergunta.

- Ali no quadro, é um três? – eu olhei pro quadro e não podia ver muita coisa porque estava sentada no fundo da sala e estava vendo tudo meio embaçado.

- É um três sim –respondi.

- Ah, é um três mesmo –concluiu ela.

Era matéria nova de Física, mas eu estava tão distraída e preocupada que não conseguia prestar atenção e copiar a matéria.

Permaneci calada outra vez e escrevendo qualquer coisa no meu caderno. Declarações, confissões, poemas... A professora havia saído, e por incrível que pareça, a turma estava em silêncio.

As cenas começaram a voltar. Os meus contos-de-farsas com seus finais infelizes, seus sapos ao invés de príncipes, suas ruínas ao invés de castelos. Eu, a mocinha como de costume, acabava do mesmo jeito: sozinha enquanto assassinava seus sentimentos e os queimava em seguida.

Meus olhos correram pela minha mesa e logo olhei diretamente pra cor da mesa: verde. Mas não tinha nada a ver com o que eu estava pensando. A cor da mesa não fazia o menor sentido.

“A morte é tranquila, fácil. A vida é mais difícil”; lembrei da frase que Sofia costumava dizer quando falávamos de um velho amigo que se suicidou. Será que vale a pena seguir o caminho mais difícil?

Sacudi a cabeça para a ideia estúpida que estava na minha mente desaparecer. Olhei pro livro na mesa de Sofia: Lua Nova. Parecia que na capa havia uma pétala manchada de sangue. De repente vieram todas as lembranças com sangue que estavam guardadas na minha mente. E a última era um desenho que eu havia feito há muito tempo. Um rosto de menina assustado, em preto e branco. O único destaque da imagem era uma lágrima vermelha que escorregava pelo seu rosto pálido. Os desenhos que eu estava acostumada a fazer. Sombrios e melancólicos.

- O que é isso? – me interrompeu ela outra vez, ao meu lado.

- Isso o quê?

- Que tu tanto escreve.

- Ah, não é nada não.

- Uma nova história? Um poema?

- Deve ser algo assim. – nem eu mesma sabia o que estava fazendo, mas eu sabia o motivo para estar fazendo aquilo: fazer o tempo passar.

- Você sempre anda com esse sapo? – perguntou a professora parada na minha frente.

- Arrã – respondi. Ela falava do pequeno sapinho de pelúcia que estava no meu colo. Eu estava sempre com ele, pra onde fosse. Mesmo que parecesse ridículo, eu não me importava. Ele era o meu único companheiro nas minhas tardes de solidão.

- Posso pegar?

- Pode – entreguei-o nas mãos dela. Conclui que talvez ela estivesse curiosa em saber o que eu tanto escrevia, por isso se aproximou para perguntar sobre o sapo. Ela poderia estar me observando enquanto eu estava distraída.

- Ganhou do namorado? – ela perguntou. Até parece que eu poderia ter namorado... Eu estava apaixonada, mas estava sendo rejeitada como nas minhas outras experiências.

- Não. Foi da minha melhor... – pausei. Olhei pra Sofia ao meu lado. Letícia havia me dado o sapo de presente. Letícia não era minha única melhor amiga, Sofia também era importante. – De uma das minhas melhores amigas.– conclui. A professora sorriu e me devolveu o sapo. Voltou a sua classe.

- Acho que meu cabelo secou – eu disse desmanchando as transas que haviam em meus cabelos.

- Não, ainda está molhado. – Sofia disse me olhando de canto. – Não vai fazer os exercícios?

- Acho que não. – eu disse pegando o livro que estava na minha mesa. Voltei a ler. Lucíola, de José de Alencar.

De vez em quando eu observava a professora por cima das páginas amareladas do livro. Ela me observava. Fingi estar fazendo os exercícios, mas na verdade eu continuava escrevendo. E cada vez que ela se aproximava, eu parava de escrever e folhava o caderno para disfarçar.

A aula estava um tédio. Eu estava me cansando de ficar parada ali enquanto a vida passava diante dos meus olhos. Eu estava sonolenta, talvez começando uma depressão. Talvez voltando a alguma depressão antiga.

“As lembranças são como ursos”; pensei, “Te devoram aos poucos pra te fazer sofrer, mas se souber domar seus ursos, podem ser muito úteis”. Eu sempre com essa mania insana de criar pensamentos. Sofia gostava das minhas frases estranhas e pensamentos. Ela conseguia descobrir os códigos que eu escondia neles.

Li mais alguma coisa e o tempo parecia se arrastar. Não passava nunca.

- Copia logo ou vai ser a única atrasada – a professora disse a uma das minhas colegas. Eu sorri discretamente. Que bom que ela não estava me observando...

As meninas começaram a falar sobre a última aula de Geografia, quando a professora ficou falando sobre sexo e passando lição de moral pra turma. Logo, os poucos que me enxergavam viram os traços de um sorriso largo e cintilante em meu rosto. Eu estava rindo dos comentários que elas faziam.

- Meu primeiro sorriso do dia – comentei baixinho.

- Não é não – disse Sofia –Seu segundo. Você entrou hoje na sala sorrindo. – disse ela. Fiquei feliz. Ela me enxergou e percebeu quando eu sorri. Ela prestou atenção em mim. Mesmo que o primeiro sorriso fosse falso, fosse para disfarçar a preocupação, não deixava de ser um sorriso, e a Sofia não deixava de ter o percebido.

“Porque o tempo não passa? Aliás, que horas são? Que sono. Será que se eu dormir aqui alguém vai se importar?”; pensei.

Em um instante fiquei observando a imagem quadrada da mesa, parada. Fiquei girando a caneta que estava na minha mão. Eu estava dormindo em meu subconsciente. Podia enxergar em minha mente. Eu estava deitada num bosque escuro, a pele pálida, uma blusa azul e uma calça preta, adormecida entre as poucas flores.

De repente minha mente voltou-se pra ELE outra vez. ELE estava bem ali, na sala ao lado. Talvez já estivesse no pátio com seus amigos do colégio (afinal, já éramos pra estar no intervalo), mas eu estava ali, na sala. E aposto que ELE nem estava pensando em mim. Estava pensando numa garota mais velha, mais bonita. Talvez a Lê.

Logo começou a rodar uma ideia estupidamente possível na minha cabeça: ele me usar pra se aproximar da Lê. Tolices. Ele me queria apenas como amiga, não podia esquecer disto.

No intervalo, evitei vÊ-LO,e consegui. ELE ficou de um lado do colégio e eu, do outro.

Voltei mais sociável do intervalo. Eu já estava conversando com as pessoas.

Ele já havia ido. Afinal, teve os dois últimos períodos vagos. Podia estar esperando o ônibus, ou estava com seus amigos no lugar mais afastado de tudo que tem no bairro. ELE. Porque eu estava pensando nELE? Na verdade eu estava pensando em todos ‘ELES’. Os ex, ou apenas conhecidos, os amigos, aqueles que mal sabiam que eu existia, ou aqueles que nunca haviam visto o meu rosto.

Matei uma barata. Juntei com uma folha de caderno e coloquei no lixo com naturalidade, enquanto ouvia os berros escandalosos das meninas que já estavam na sala. Contive a raiva.

Não suporto aqueles gritos agudos e os olhos apavorados como se eu tivesse as salvado de um dragão de sete cabeças. Para minha surpresa, até alguns (poucos) meninos que já estavam na sala ficaram afastados e resmungando qualquer coisa.

Minha cabeça começou a doer. As colegas na minha frente estavam discutindo sobre suas unhas e cutículas. Falando mal das unhas umas das outras. A raiva me fez subir o sangue. Imagine um prego perfurando seus lindos dedinhos por debaixo das unhas, fazendo elas se desprenderem da carne e deixando seus dedos em carne viva. Puxa, que masoquista. Eu mesma estava me surpreendendo. De repente, elas calaram a boca.

Nos distraímos escolhendo grupos para um trabalho de Sociologia. Eu havia esquecido dos meus pesadelos e dos contos-de-farsas. A aula de Sociologia me deixava assim. Eu apenas estava com medo que a distração acabasse. Que eu voltasse pra casa e voltasse a afundar na escuridão do meu quarto. Ensopando o travesseiro com as lágrimas das falsas esperanças.

Depois de Sociologia, começamos a fazer um teste de autoconhecimento em Filosofia. Era um tipo de corrente, uma coisa totalmente banal. Mas a aula já estava no fim e faltavam poucos minutos pra eu ir pra casa e ficar sozinha outra vez.

19 Junho 2009 Sexta-feira

Cheguei estressada na sala. Com a franja mal arrumada e me sentindo um hipopótamo descabelado. Estava estressada pela discussão com minha mãe noite passada. A única coisa que pude fazer foi assentir a todas as reclamações que ela fez e agir como se eu fosse a culpada outra vez. E dessa vez, eu realmente era a culpada. Mas tenho o gênio forte, e mesmo quando estou errada, teimo que estou certa. Podia começar uma discussão e dizer tudo o que eu pensava. Gritar pedindo pra ela parar de me comparar com minhas amigas, dizer que não posso fazer nada, que sou presa; mas de nada adiantaria, só pioraria tudo. Traria mais preocupações para minha avó. E a última coisa que eu queria para completar o meu ‘magnífico’ dia era ver a minha avó passando mal.

No entanto, apesar de algumas vezes responder com frases ásperas e com um toque de rudez, suportei a raiva estudando matemática. Me distraindo. Tentando fugir do mundo como sempre faço. O melhor era que, Sofia me entendia, porque somos muito parecidas. Ela sabia que quando eu estava brava, mesmo sem querer, às vezes eu era estúpida.

Para esperar passar o tempo enquanto a professora estava sentada organizando uns papéis, voltei a ler Lucíola. Voltei a me desligar do mundo real e caminhei para o mundo da fantasia.

Adoro ler. Todas as histórias que você sempre quis viver, todos os contos-de-fadas que você sempre sonhou em ser o herói, ou a princesa, em ser a heroína, ou o príncipe a ser resgatado, as histórias em que você queria ser pirata e viajar pelo mundo, em que você seria um animal mágico, ou a garota mais bonita da escola... Todas elas estão bem ali nos livros. Qualquer possibilidade imaginária. A única coisa que você precisa fazer é abrir o livro e ler. Abrir a mente para novas ideia e se imaginar o que quiser. Mas tenha cuidado. Quando se imagina demais, se sonha demais. E você acaba como eu: sem sonhos realizados e esperando que o mundo seja legal com você, mesmo sabendo que ele não será.

Sofia chamou minha atenção quando percebeu que a professora começou a passar matéria. Marquei a página em que havia parado de ler e voltei a estudar.

A turma estava inquieta. Eu estava com sono e com medo de ver ELE hoje. Eu estava gorda e feia. Acordei atrasada e mal tive tempo de pentear os cabelos. O lápis preto se esparramou pelos meus olhos e me deu algumas olheiras. Me deixando com aspecto abatido e melancólico. ELE não podia me ver assim. De manhã eu havia dito para mim mesma ‘Não liga mais pra o que ELE pensa, vai assim mesmo que ELE nem vai reparar’. Porém, falar é fácil, na prática é mais complicado.

O tempo foi passando e ao ouvir o sinal tocar para a troca de período me levantei da classe para ir até o corredor. ELE sempre estava lá com seus amigos. Caminhei alguns passos até o meio da sala e parei. Voltei até o meu lugar,sentei e disse:

-Não Sofia, hoje eu não vou esperar por ELE no corredor. Hoje eu vou ficar aqui. – Sofia sorriu. Ela sabia que eu estava tentando superar a perda e se satisfazia com qualquer gesto meu que ajudasse a esquecÊ-LO.

Fiquei ali sentada, batendo as pontas dos dedos na classe sem parar. Como as batidas de um tambor de escola de samba. Eu estava nervosa e ansiosa. Ao mesmo tempo em que não queria vÊ-LO no corredor, eu precisava. Eu queria vÊ-LO, mas sem que Sofia percebesse. Ela se decepcionaria se não visse resultados no meu esforço de esquecÊ-LO. Pensei, pensei, e tive uma ideia brilhante.

- Sofia,não quer que eu pegue o dicionário de francês? – perguntei já sabendo a resposta dela. Um sorriso abriu em seu rosto e ela disse:

- Sim, claro que sim. – respondeu. Fazia tempo que não pegávamos o dicionário de francês e fazíamos tentativas de poemas. Ficar procurando palavras e traduzindo. Escrevendo poesias em português e transformando em palavras em francês.

Levantei da classe com pressa. Ao atravessar a porta olhei pro corredor na expectativa de vÊ-LO;nada. Apenas alguns colegas e SEU melhor amigo. Fui caminhando devagar na esperança de que ELE atravessaria a porta e me receberia com um abraço forte e um enorme sorriso. Esperanças falsas. Meu sorriso largo foi ficando cabisbaixo até se transformar em uma cara de preocupação. Como quem procura alguma coisa. Tentei olhar pra dentro da sala discretamente enquanto passava ali pela frente e não O vi também.

Cumprimentei o melhor amigo dELE e sorri tentando disfarçar o desapontamento. Logo a professora chamou todos os alunos pra dentro da sala e ele se despediu. Quando nos soltamos olhei para seu rosto e ele estava corado. Ele entrou pra sala. Saí sorrindo seguindo em direção a biblioteca. Fiquei pensando o porquê de ele ficar corado daquele jeito. Tão bonitinho. Talvez tenha sido só alucinação minha.

Logo que entrei, o bibliotecário já disse:

- Dicionário de francês, certo?

- Certo – eu disse e sorri pela adivinhação. Ele já estava acostumado. Nós só visitávamos a biblioteca quando íamos pedir o dicionário de francês. Ou durante os intervalos para ficarmos afastadas do tumulto do intervalo.

Voltei para a sala desapontada e alcancei o dicionário para Sofia me sentando. Ela estava animada, eu não. Apoiei o cotovelo sobre a mesa e apoiei minha cabeça sobre a mão. Fiz uma careta e fiquei olhando para qualquer lugar da sala. Sofia me olhava às vezes e acho que ela percebeu o meu desinteresse pelo dicionário. Pode ser que ela nem tenha desconfiado... Mais provável que sim. Ela disfarçava, mas via que mesmo me esforçando, eu ainda queria-O de volta.

Na saída da escola, o irmão da Sofia veio buscá-la de carro e eu fui levar a Letícia na parada do ônibus, como o normal. A parada era muito perto da minha casa.

- ELE não veio hoje, né. – eu disse olhando a estrada.

- Não. ELE foi ao hospital. – disse ela com os fones nos ouvidos. Achei estranho. ELE estava indo ao hospital muito direto, toda semana praticamente. ELE não fazia isso antes, não que eu saiba.

Ficamos conversando sobre ela e um amigo dela que gostava dela. Eles eram tão bonitinhos juntos. Queria tanto que ficassem juntos, mas eu sabia de segredos sobre ele. Ele havia ficado com uma colega minha no mesmo dia que pediu pra namorar com a Lê, isso me chateou. Mas como eu podia dizer isso a ela? Ela odeia a garota, e também, ele é meu amigo, mas, e a felicidade da Letícia, minha melhor amiga? Preferi esconder e fingir que eu não sabia de nada. Apesar de essa atitude não deixar de ser um pouco traiçoeira.

Peguei o celular dela e passei umas músicas pro meu. Li a música ‘Inevitável’ da banda CPM 22. Comecei a cantar baixinho enquanto seguia a batida mexendo a cabeça.

- Que música tu tá ouvindo? – perguntou ela tirando o celular da minha mão para ver o nome.

- Inevitável. Eu amo essa música, é perfeita. – eu disse.

- Ah, o coisinha também ama essa música.

- Que coisinha? – perguntei olhando pra ela.

- O... Ah, tu sabe quem é.– ela estava falando dELE. Pedi para que elas não ficassem falando o nome dELE perto de mim. Talvez isso fosse me ajudar a esquecê-lo.

- De novo. Que raiva! – falei alto e irritada – ELE gosta de tudo o que eu gosto, escuta as músicas que eu ouço, tem o jeito do cara que eu sempre sonhei e é um idiota! Como posso esquecer dELE assim? – eu falei cruzando os braços e fazendo bico. Letícia riu. Depois dela, eu ri também. Rimos juntas. Era uma situação engraçada. Ficamos caladas de novo.

- Sabe Lê... – eu disse quebrando o nosso silêncio – Eu admiro muito a minha amizade com ele. Talvez eu esteja superando o que eu sentia, o que eu sinto, enfim. Mas... É tão estranho por que... Parece que fomos feitos um pro outro. Somos parecidos em todos os aspectos, entende? Acho que... Até um pouco nas feições dELE. ELE é o meu príncipe encantado, mas eu não sou a princesa da história. Eu sou só... A gata borralheira. – eu disse olhando pra areia da calçada. Ela olhou pra mim e começou a rir.

- Que foi?

- Ah, tu fez um beicinho tão bonitinho – disse ela rindo. Acabamos mudando de assunto.

Fiquei preocupada com ELE. Indo ao hospital e tal. Se talvez ELE me percebesse um pouco mais. Se talvez... Não, já chega. Mas, eu estava preocupada com ELE pela nossa amizade. Não por outro motivo. Fiquei preocupada como ficaria com um irmão meu. A única diferença era que eu não ficava tímida perto dos meus irmãos, muito menos corada. Eu sabia que ELE ia ficar bem. Mesmo assim passei o dia distraída. Olhando pro vazio das paredes e lembrando. Imaginando coisas, delirando outra vez. Naquele momento não importava mais nada, apenas que era sexta-feira e que eu não ia O ver durante dois dias. Será praticamente uma eternidade.

20 junho 2009 Sábado

Eu finalmente não havia acordado pensando nELE. Nem ao menos havia sonhado com ELE. Até que enfim estava me recuperando do pesadelo e das cicatrizes. Enfim.

De repente, no ônibus onde eu estava viajando para a fazenda Quinta da Estância, eu estava distraída olhando a paisagem e passamos em frente a uma clínica, lembrei dELE por causa das visitas frequentes dELE ao hospital do diabético. Vi minha mãe ao meu lado procurando uma resposta no meu olhar para um rosto tão preocupado e cabisbaixo. Como sempre fui muito sincera e verdadeira com ela sobre tudo, logo acabei com o mistério que ela queria tanto desvendar.

- Sabe mãe... Não tem nada a ver com o fato de eu ainda estar apaixonada por ELE, até porque eu não estou mais apaixonada, – eu disse tentando me convencer dessa mentira – mas, pela nossa amizade, eu tou meio preocupada com ELE. EÇE tem ido muito frequente ao hospital, isto está me preocupando. –ela me olhou com certa raiva. Não raiva de mim, mas raiva do que ELE havia feito comigo e como eu estava reagindo sobre isso. Ela se calou por uns instantes e depois disse:

- Se eu fosse tu largava esse guri de mão, ele é muito galinha! – ela desviou o olhar para o banco na frente dela. Eu coloquei as pernas pra cima do meu banco e apoiei o livro Lucíola por cima dos joelhos para continuar lendo, quando ela disse:

- Tu sabia que ELE tá namorando, né?– em primeiro caso pensei em mentir e dizer ‘Sim, eu sei’, mas pensei melhor. Se eu falasse a verdade poderia buscar mais informações. Minha primeira reação foi parar completamente. Minha respiração parou e meu coração não batia mais. Meus olhos ficaram estalados num transe durante um tempo. Olhei pra ela com uma cara realmente assustada e perguntei:

- Do que tu tá falando, mãe?

- Tu não viu o Orkut dELE?

- Não entrei no Orkut dELE essa semana.

- É, ELE fez um álbum pra ela. Alguma coisa tipo ‘minha nova gatinha’, não sei o quê.

- Mas tava escrito ‘namorando’, no perfil?

- Tava. – eu me calei durante um tempo e pensei numa boa reação que não chamasse a atenção dela.

- Ah, que bom que ELE tá com alguém. É bom que ELE seja feliz mesmo. – eu disse tentando manter a agonia presa na garganta, mas ela foi se tornando uma bola e começou a fazer as lágrimas se acumularem na beirada dos meus olhos. Eu estava tentando me convencer a largar ELE de mão, mas não conseguia. Eu fingia que não me importava, mas na verdade eu me importava mais do que deveria.

- Ah, pelo menos não foi a Carolina. – eu disse com um falso sorriso de satisfação voltando meus olhos para as páginas amareladas do livro.

- Era esse o nome dela! – exclamou minha mãe.

- O quê? Não! Não acredito... – as lágrimas começaram a ficar visíveis, mas eu as engoli num relance pra minha mãe não perceber. O meu ego mais forte começou a falar mal dELE outra vez. ‘Eu não te avisei? ELE tinha te dito que com ela não rolava, não foi? E agora? Será que não rola mesmo? Ah, bobinha. Será que é tão difícil pra você perceber? Você é lixo... Não serve pra mais ninguém’.

Carolina. Eu havia tentado fazer os dois ficarem, antes de ELE e eu... Enfim, agora ELE estava namorando com ela? ELE havia dito pra mim que não queria namorar com ninguém naquele momento porque ELE recém havia saído de um relacionamento duradouro e tal. ‘MENTIROSO!’; berrou uma voz indignada dentro de mim. Eu estava tão brava que meus pulmões começaram a respirar com pressa, fazendo eu sentir cada movimento que eles faziam. Comecei a ficar vermelha e meu sangue ficou quente. Podia mentalizar a minha imagem quebrando uma casa inteira e destruindo tudo que aparecesse na minha frente.

- Eu fiz os lados dELE com essa guria! Tá, agora sim eu realmente me sinto um lixo. Me trocar por... Aquela gorda esquisita com o cabelo mal pintado? – eu disse quase gritando.

- Fala mais baixo. – disse a minha mãe. – Acho que não estamos falando da mesma pessoa. A menina que eu vi era magrinha e com os cabelos pretos, meio cacheadinhos assim,que nem os teus. – respirei fundo e a paz voltou pra mim.

- Ah bom, então não é a Carolina. – eu havia ficado um pouco mais tranquila, mas isso não havia mudado o fato de ELE estar com outra garota. Aquela conversa foi o necessário. Passei a viagem inteira pensando nELE.

Até que eu me distraí um pouco no ônibus, quando vi um garoto lindo que estava sentado quase atrás de mim. Loiro, olhos azuis, com um sorriso brilhante. Mas isso não foi suficiente. A imagem dELE beijando uma garota linda e deusa não saía da minha cabeça. ELE prometeu que não ia me iludir... Mentiu de novo.

Passei o dia na fazenda. Eu estava bem aborrecida, mas tentei aproveitar. Não queria bater fotos, não queria fazer nada. Queria que me enterrassem na fazenda, no lugar mais obscuro e secreto para que ninguém nunca mais me encontrasse. Até o Leandro, meu padrasto, ficou um pouco aborrecido coma minha situação. Ele estava fazendo qualquer coisa pra me distrair. Teve um momento em que estávamos batendo uma foto e eu disse:

- Não quero bater foto – e mesmo assim Leandro bateu a foto.

- Como tu tá chata hein? Imagina quando tiver namorado!

- Então ninguém vai precisar se preocupar, nunca vou arrumar namorado mesmo.

- Não fala assim, filha – disse a minha mãe, preocupada, como sempre.

- Não fala assim, não. Eu vou morrer velha e sozinha! Sozinha!

- Porque ela tá assim? – perguntou Leandro. Minha mãe explicou toda a história e ele concluiu –Ah, tu tá no começo da tua vida, é só um amorzinho de adolescente, logo passa.

- Não passa não! Não é o primeiro! É o terceiro! Ou melhor, o quinto! – eu disse enquanto caminhava batendo os pés na grama úmida.

- Quer ter um namorado agora?

- Não sei, às vezes eu fico com muita vontade, sabe. – os dois se calaram. Sabiam que não iam conseguir tirar aquelas ideias da minha cabeça, afinal, eu não estava influenciável. Eu estava decidida e cabisbaixa.

A fazenda era perfeita. A paisagem era linda, mas, era insuportável passar cada segundo naquele lugar maravilhoso com um choro entalado na garganta imaginando outra nos braços dELE.

Meus amigos, familiares, todos sabiam que eu estava me esforçando, mas nem eu mesma me convencia de que podia esquecÊ-LO. Será que eu teria de me apaixonar por outro? Será que teria que usar o mesmo método que usei com Guilherme? Eu fiquei tão confusa. Mas no meio daquele dia ensolarado e daquele verde todo da fazenda, eu percebi que eu precisava me importar com a natureza, e o que ela estava me oferecendo naquele momento. Precisava aproveitar o ar puro que saía das árvores no meio daquela trilha.

Estávamos caminhando numa lâmina de água. Havia uma trilha e estávamos todos com os pés no chão, totalmente em contato com a terra e com a água que corria como um pássaro livre pelos nossos pés e calcanhares. De repente, ouvi um barulho estranho, algo como um rosnado. Acho que ninguém mais havia ouvido, afinal, ninguém comentou nada sobre o barulho. Caminhei mais alguns passos achando que era tudo coisa da minha cabeça, que eu estava apenas recebendo sons do meu subconsciente. Logo ouvi aquele rosnado outra vez, mas desta vez, eu estava afastada. As pessoas estavam muito na minha frente, e as outras estavam bem lá atrás. Eu estava praticamente sozinha. Isso me fez pensar que eu estava precisando de um bom psiquiatra.

Ficar horas lendo Lucíola não estava fazendo muito bem para minha sanidade mental. Mas pelo menos navegar naquele livro e ficar imaginando personagens como garotos lindos, e eu sendo a mocinha, me fazia esquecer dele. Outro ‘deles’ tomava o lugar de personagem principal, o par da mocinha. O mais impossível, o que mal sabia que eu existia. Ele até sabia que eu existia, pois havia me visto uma vez, mas, não sabia meu nome, e aposto que nem havia pensado em perguntar. Afinal,quando ele me viu haviam milhares de garotas na minha frente. Bem provável que ele houvesse visto elas, e não eu.

ELE voltou aos meus pensamentos. Eu apenas tinha quase certeza de uma coisa: eu não estava O amando. Acho que era apenas uma forte atração pelo jeito que ELE me tratava. ELE era doce. Diferente dos outros estúpidos que só queriam passar a mão em mim e sair dizendo que eles enfim tinham conseguido pegar “a difícil”. Apesar de que,sobre o fato dele sair se vangloriando, eu não tinha como saber, mas mesmo assim, eu, por algum motivo,tinha certeza de que ELE não faria isso. Além do mais, já pegou garotas muito melhores do que eu.

Continuei fazendo a trilha da água. A cada passo que eu dava, algumas pequenas pedrinhas afundavam no meu pé causando dor. Tentei relaxar e entrar em contato com a natureza, os sons que ela transmitia, mas a tensão das outras pessoas e o medo de afundar a perna num buraco cheio de água me deixava “fora” da natureza.

Eu pude me sentir na pele de Bella Swan. Numa trilha com as lembranças de Edward expandindo um buraco em seu peito e aumentando sua dor. Por alguns curtos instantes, me tornei Bella, e ao invés de perceber a água debaixo dos meus pés, pude sentir meus pés tocarem uma grama verde e ouvir o barulho das folhas secasse quebrando a cada passo meu em cima delas. Haviam obstáculos na minha frente. Troncos enormes, galhos, buracos fundos... A água estava nas minhas canelas e a barra da calça mergulhada na água.

Comparei os troncos enormes com a minha vida. Aquele caminho era como o meu sonho. O meu sonho que está sustentado por duas linhas finas, a ponto de entrar pra lista dos sonhos que desisti. Percebi que os obstáculos eram realmente grandes e complicados de serem ultrapassados, mas no fim, a água acabou e eu pude colocar os pés em terra firme.

Para o fim do dia, fizemos algo como “esportes radicais”. Eu tive de escalar uma grade feita de corda com mais ou menos doze metros de altura. Enquanto eu estava na fila, achei bem fácil. Na hora de subir, olhei pra cima e vi a altura. “Ah, não é tão difícil assim”; pensei.

Quando comecei a subir, percebi que eu tinha que carregar todo o peso do meu corpo e ainda me equilibrar. Quando cheguei à metade do caminho, já não aguentava mais. Meus braços estavam dormentes e eu não tinha mais forças pra subir. Pensei que iria morrer. Pensei que minhas mãos iriam se soltar e eu ia cair pra trás. Que enquanto eu caísse me desesperaria e a última coisa que sentiria seria o meu corpo bater no chão.

A adrenalina começou a subir e eu não desisti, continuei subindo. As imagens dELE começaram a aparecer em minha mente. Era só o que eu podia ver. Uma lágrima caminhou pelos meus olhos e a adrenalina me fez engoli-la desesperadamente. Continuei subindo, mas aquilo parecia não ter fim. Quando faltava só um passo para chegar ao topo, perdi o ar, minhas mãos tremeram e não conseguiam mais agarrar com força as próximas cordas. Senti uma leve tontura e uma voz estranha, que eu nunca tinha ouvido antes disse ‘Não desiste! Vai, falta pouco pra esse sufoco acabar. Não desiste. Eu sei que você consegue!’. Consegui mexer as mãos. Quando segurei a corda um pouco mais acima, minha mão escorregou, mas logo a grudei na corda e cheguei ao topo. Fiquei cansada. Respirei fundo e tentei recuperar o fôlego.

- Cansou muito? – perguntou um dos caras que trabalhava no lugar e que estava lá em cima.

- Um pouco. – respondi. Me sentei e fiquei esperando a segunda parte. Agora a melhor parte de todas. Iria saltar de lá do alto e descer de tirolesa. Claro, que haviam equipamentos de segurança.

Logo que chegou minha vez, o cara que trabalhava lá só me empurrou e eu desci. Fiquei um pouco agarrada no cabo de segurança por causa do medo, mas depois abri os braços e comemorei como vitoriosa. Me senti um pássaro livre. Sem frio na barriga, sem gritos, sem medo. Com uma paz imensa dentro de mim e uma vontade de fazer tudo de novo.

Quando estávamos voltando pra casa, no ônibus, eu estava distraída olhando a paisagem passando rápida através dos vidros. Comecei a ter uma quantidade imensa de dejá vus. Era a segunda vez que eu estava naquele lugar, mas da primeira vez eu nem havia olhado pra rua. Na primeira vez eu estava preocupada em discutir sobre as meninas "posers" com as minhas amigas. Aquelas meninas que dizem que são fãs daqueles caras bonitinhos de bandas, mas na verdade não fazem a mínima ideia de quem eles são. Eu comecei a lembrar dos sonhos que eu tive. Não fazia muito sentido, mas eram os mesmos lugares. Queria desviar a atenção das minhas lembranças da primeira vez que estive lá. As lembranças boas, eram poucas, as ruins, até demais.

Não aguentava lembrar da mesquice e do egoísmo das pessoas que estavam comigo. Da maneira como elas tratavam os outros que eram até considerados amigos delas. Falando que uma era gorda demais para vestir biquíni, o quanto de estria outra tinha, que algumas pessoas tinham que se cuidar mais, que não sei mais o quê. Mas ninguém olhava o seu umbigo. Fiquei constrangida em ficar só de biquíni perto das pessoas, e isso acabou virando um tipo de trauma. Não consigo mais andar na praia só de biquíni até hoje.

Mas essas pessoas vivem no seu mundinho onde tudo é cor-de-rosa e os príncipes encantados estão sempre no pé delas. Ou não. Tem pessoas que não são assim, mas começam a fazer maldades, para participar do time das ‘populares’. E pensar que eu já fui assim... Quando criança era muito ingênua, então foi bom pra eu aprender. Às vezes eu penso em todas as escolhas que eu fiz. Quando eu podia decidir outra coisa e, acabei seguindo o caminho errado. O caminho que me fez feliz no começo, mas no fim, quando eu finalmente abri os olhos, só me machucou. Me arrepender? Talvez num pensamento rápido. Mas nunca duradouro. Mesmo que ELE e eu não tenhamos mais nada, jamais vou me esquecer da primeira vez que ficamos juntos, porque ELE me disse: ‘nunca te arrepende das escolhas que tu faz’. Talvez ELE tenha dito isso já sabendo de como nós dois acabaríamos. Valeu as experiências, me fizeram crescer um pouco mais. Me deixaram mais madura e me transformaram no que eu sou hoje. Infelizmente. Ou não.

Femme Illusion
Enviado por Femme Illusion em 28/07/2013
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