Paris, 1983
Minhas mazelas são tão estúpidas... Quando encontro um mendigo e dou-lhe algumas moedas, percebo a classe social que pertenço. Certo dia, um cristão advertiu-me de que todos são iguais perante Deus – gentilmente sorri – como se pudesse acreditar. Através dos olhos daquele mendigo vislumbrei a hipótese de que, um dia, no futuro, eu estaria na sua condição. Percebendo o que isso significava, deixei de lado a arrogância típica dos burgueses, pois em síntese, os papéis tendem a sofrer modificações ao longo da história.
Sentei-me na calçada, tirei os calçados e comi um pedaço de torta com aquele senhor. Eu queria ter a capacidade da invisibilidade, mas o status e o poder aquisitivo entravam em colisão direta com meu desejo. Algumas pessoas que passavam na rua cochichavam – vejam isso: aquele homem deve estar louco – outras apenas riam e balançavam a cabeça. Era tão estúpido um homem sentar-se no chão e dividir comida com um pobre infeliz. Existia sim, um pobre e um infeliz. O pobre saboreou a torta de maça que havia ganhado, o infeliz sentiu-se útil, como deveras há muito tempo não o fazia.
O Homem pode escolher entre a estupidez e a simplicidade. Sendo que ambas o levarão para o mesmo fim. A morte. É possível que admitamos perante a difícil escolha, um tropeço que outro, mas nunca devemos hesitar, pois, tolo será aquele que desistir sem antes tentar.
Carros, barulhos e pessoas mal humoradas. Todos ao meu entorno, no entanto, eu não conseguia parar de admirar as crianças brincando no parque. Apaguei o charuto e subi no escorregador – os pais das crianças me censuravam com os olhos – eu fingia não ser comigo. O que nos torna humanos afinal? Certamente não é a estupidez.
Havia feito duas coisas aquele dia, das quais jamais iria esquecer. Embora seja da condição humana o hábito de julgar – para mim duplamente, uma vez que minha profissão exige essa característica – naquele dia permiti que os outros me julgassem. Pude ser o mendigo e a criança, sujeitos que incomodam àqueles que não sabem amar. Foram necessários 50 anos de uma existência vazia para enfim vivenciar essa experiência sublime.
Paris, 1983
Pierre L.