BONS DIAS, O BOM PANCRÁCIO GANHOU DE PRESENTE UMA DEMOCRACIA!
Caro professor Marcelo:
"Bons dias".
Achei interessante a parte onde você diz no teu texto: “há uma impressão arraigada em certos setores que o povo é sempre influenciável e refém de benesses...”.
Bingo.
Já foi o tempo, mas “esses setores” ainda vivem no passado e ainda não se habituaram que “o novo sempre vem e o novo sempre vence”.
O mundo mudou, muito e rápido.
Hoje, desnecessário repetir, quase todos se comunicam pela internet, independente da sua posição política.
Acabou-se a imprensa intermediária de idéias.
Bom; muito bom!
No segundo dia de protestos o governador paulista defendeu a repressão violenta.
Ele tem como estratégia de segurança a politica, ou polícia, de repressão; não funciona.
O resultado está à vista de todos, a violência ao invés de diminuir só faz aumentar.
Mas, “quando uma pessoa tem como único instrumento um martelo, todo problema que aparece é um prego”.
É um ditado que ouço desde moleque, mas que ontem ouvi no novo filme do Brad Pitt: "A guerra mundial Z".
Então, deram uns petelecos nos manifestantes.
No dia seguinte a essas declarações o governador, (que por sinal, fique ciente, sempre foi meu candidato nas eleições, por falta de coisa melhor), abaixou o tom e junto com o prefeito Haddad, apareceu na mídia para anunciar a redução da tarifa de transporte; aliás, nem deveria ter sido elevada.
Gaguejando um constrangedor “ora pois, pois, não é bem assim...”
Sentiu o golpe das ruas; como todo político sentiu.
Mas a burrice já estava feita.
Lembro de G.H. Chesterton:
“... a sabedoria tem de levar em conta o inesperado”;
está no conto “A cruz azul” - ("A bondade do Padre Bronw" - Editora L&PM – 2011).
Políticos experientes esqueceram-se do “inesperado”.
Têm a impressão arraigada de que povo só existe na eleição.
Agora tentam compreender.
Mas a Inês já perdeu o recato... e gostou!
No mesmo conto, Chesterton faz novo alerta:
“O cidadão é o artista criativo; o Estado apenas o crítico”.
O movimento das ruas trouxe à mim, recordações de uma peça de teatro que assisti no Rio de Janeiro, (num teatro decrépito e sujo), em 1975, com a Bibi Ferreira no papel de Medeia:
“...
Já estanquei meu sangue quando fervia/
Olha a voz que me resta/
Olha a veia que salta/
Olha a gota que falta/
pro desfecho da festa” / ...
E qualquer desatenção/
faça não/
pode ser a gota-d'água."
(“Gota D’água” – Chico Buarque).
Todo aquele que representa as múltiplas faces do Estado e da Sociedade, seja político, servidor público, imprensa, mídia, lideranças, etc., tem por dever de atuar com cautela, respeito, para não entornar o cálice das mágoas e acalentar o ovo da serpente.
O povo quieta, mas não dorme; e, os
“certos setores” só esperam a oportunidade para sair do limbo e espalhar medo,
e depois venderem seus paradigmas ao preço de governo ilegal, ofensa à lei, ao homem, objetivando lucros exclusivos e outras coisinhas que deixa de fora a maioria da população.
Não devemos nos esquecer, brasileiros, que o significado de “liberdade”, nós o forjamos na experiência do cativeiro, (na escravidão e nos regimes de exceção, etc); e que os “certos setores da sociedade”, nunca reconheceram como conquista popular.
Isso é coisa que já disse num texto anterior: "Projeto Cura deputado"; mas é bom repetir.
Esses "certos setores" procuram vender a noção de que toda conquista social surgiu como recompensa por “nossa evolução”; e uma vez fixada essa falsidade na cabeça do cidadão incauto, reservam-se ao direito de estabelecer limites da liberdade e da democracia.
Não é sem razão que "em certos setores", consideram distribuir "petelecos" em manifestação popular coisa corriqueira.
Que o diga o bom Pancrácio!
Pancrácio é personagem de Machado de Assis, numa crônica publicada no jornal "Gazeta de Notícias", no dia 19 de maio de 1.988.
A importância está em que a libertação da escravatura ocorrera em 13 de maio de 1.888; ou seja, seis dias antes.
As crônicas "Bons dias", publicadas anonimamente, entre 1888-1889, coincidem com um momento importante da historia do Brasil: a abolição da escravidão e o fim do Império.
A crônica pode parecer divertida (e é), mas Machado de Assis, além de outros múltiplos objetivos, estava zombando desse "certos setores".
É ótimo saber o que se passava na cabeça do Bruxo, até como material de pesquisa histórica, porque o genial escritor sabia das coisas e captar os sentimentos de todos, em especial da classe superior, escravagista, sempre imbuída de mudanças, desde que tudo continue igual.
Na crônica sobre Pancrácio, o bom escravo não conquista sua liberdade por sua luta de classe, como a lei seis dias antes havia determinado.
É o patrão que subverte a ação e, desde que "perdido por um, perdido por mil", entrega a alforria, na presença de ilustres convidados, para preservar "as aparências" e para que a ideia de "liberdade e conquista social" só pode ter origem na "vontade do senhor".
Alforriado depois de legalmente liberto, Pancrácio passa a ter um salário irrisório; mas um salário.
E continua a submeter-se as vontades do senhor, a ponto de achar natural continuar a levar surras indevidas e injustas.
E a ouvir justificativas do "seu senhor", do tipo:
”... eu expliquei-lhe que o peteleco, sendo um impulso natural, não podia anular o direito civil adquirido por um titulo que eu lhe dei (a liberdade)”.
Na primavera de 1968, na Europa, houve protestos semelhantes, (em especial Paris), e o líder do movimento, cujo nome perdeu-se nas dobras do tempo, gritava a seguinte palavra de ordem, a multidão que ele conseguiu conduzir às ruas, mas sem ter um objetivo certo:
"Seja sensato; peça o impossível".
Digo eu hoje, apenas: "sejamos sensatos!"
Não vamos perder a perspectiva.
O povo deve protestar seus descontentamentos.
Mas não deve entregar suas conquistas e liberdade.
O momento é de defendê-las.
Para que não nos tornemos novos Pancrácios...
Um abraço professor.
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“Bons dias!” são crônicas divertidas e sagazes de Machado de Assis, publicadas com um pseudônimo que fez com que não fossem reconhecidas como de sua autoria até a década de 1950.
Têm um fascínio especial no que diz respeito às opiniões políticas do autor.
Além da política da época, trazem ainda para o leitor de hoje certos temas como a medicina popular, os neologismos, o espiritismo e até homosexualismo.
Pancrácio é personagem de Machado de Assis na crônica “Bons dias”, publicada de 1.888 ( e disponível gratuitamente na internet – Google).
A fina ironia do bruxo do Cosme Velho é leitura obrigatória para quem deseja entender relações sociais entre a elite e o povo desde aquela época até os dias de hoje.
A pequena crônica sobre a alforria do bom escravo, desperta múltiplas interpretações, uma delas é que a elite escravocrata desejava “manter as aparências”, transformando um fato sério como a conquista da liberdade, em uma piada (o texto é engraçado), nascida de "um ato de nobreza da classe superior".
Machado de Assis voltaria ao tema sobre a escravidão dezenas de vezes em passagens curtas como em “Memórias póstumas de Brás Cubas” (o escravo liberto compra um escravo para si só para poder espancá-lo); e, em “Iaiá Garcia”, ao alforriar Raimundo preto “submisso e dedicado”, “feito expressamente para servir Luís Garcia”.
Corrijam-me onde estiver errado, por favor.
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Dr Marcelo Semer escreve no blog “Sem juízo”, na uol; do qual sou seguidor e leitor assíduo.
Às vezes penso que meus textos tem gosto de "samba do criolo doido", mas, mesmo assim:
Obrigado pela leitura.
Araçatuba-SP, 28/junho/2013