Carta a Leandro - quem eu realmente sou
Leandro,
Atendendo ao seu pedido, escrevo-lhe para dizer quem sou. Sei que estamos nos encontrando há cerca de seis meses, e ainda sou um mistério. Espero que não se assuste muito.
Eu. Pois bem. Quem sou eu? Ou melhor, qual a visão que tenho de mim? Sou mulher. Trinta anos. Funcionária pública. Solteira. Residente em São Paulo/SP - Brasil. Bom, acho que isso tudo você já sabe.
Sou mulher/menina. Sim. Eu não consigo lidar direito com meus medos mais infantis. Mas eu pago as minhas contas e moro sozinha. Sou independente, mas morro de medo de ficar sozinha. Adoro aventuras, arriscar-me, sentir a adrenalina em meu corpo! Mas sou covarde, e não consigo confrontar problemas familiares. E alimentares também. Não sou dona de mim. Não consigo controlar o que como, bebo, gasto. Os meus impulsos são muito mais fortes. Mas não tenho estes impulsos quando a questão é firmar minha opinião. Admitir que não tenho muitos sentimentos por familiares. Aliás, admitir que sou egoísta e não tenho muitos sentimentos por qualquer pessoa, apenas a mim, alguns amigos e meus gatos. Não acredito que quem não esteja no dia a dia de qualquer pessoa faça realmente parte de um grande mundo no coração de alguém. Somente se fizer parte do dia a dia mentalmente. Mas sou covarde, e não consigo admitir isso. Contudo, no final, sou muito transparente e acho que ninguém nutre muitos sentimentos por mim também porque não faço questão de nutrir por elas. Tampouco participar de suas vidas. Não consigo fingir a dor, chorar, quando alguém morre. E tampouco consigo me importar com o que a pessoa que morreu achava de mim. Tento ter respeito apenas. Sim, eu sou uma pessoa bem desagradável.
A questão verdadeira não é esta. A questão é que eu minto, eu não assumo que não me importo. Eu finjo me importar e minto. Mas não dá certo. E faço grandes esforços. Ou eu deveria fazer aulas de teatro ou dizer a verdade e magoar as pessoas. Mas não quero magoar ninguém.
Quem eu sou? Eu sou falsa. E comigo mesma. Eu quero coisas, desejo, tenho ambições, mas é tudo falso. Se eu realmente quisesse, eu FARIA algo para isso, não apenas diria a mim: nossa, seria bom se. O que eu realmente quero é ter uma vida tranquila, serena. Do gênero: comer, sem engordar. Ou gastar muito dinheiro sem ficar pobre. É agir sem enfrentar as consequências. Escapar da realidade. Uma atitude muito infantil.
E foi por isso que eu te procurei Leandro. Por isso também.
Eu talvez tenha omitido isso, mas eu sofri de depressão. Muito tempo. E eu ACHO que te procurei porque eu tenho medo de esta sombra voltar a me procurar. Por que sombra? Porque a depressão é escura, e ela rasteja atrás de mim e sempre está lá. Às vezes grande, e maior que eu. Às vezes pequena, quase imperceptível. E no escuro, quando eu durmo, ela desaparece. Por isso talvez eu goste tanto de dormir.
Eu nunca tive muitos amigos, mas tive bons amigos. A questão é que ter poucos amigos, mas bons, não te fazem companhia para sair. Nem para te visitar em casa sempre, e tampouco para ir a boates e locais do gênero para paquerar. E isso me fez ser um tanto solitária. Introspectiva. Criei um muro ao redor de mim para fazer amizades, não tenho um sorriso fácil, não por muito tempo. Eu me canso das pessoas, quero ir embora, e ficar comigo.
Algumas pessoas suporto por dez minutos, outras uma hora. Suportar por mais de uma hora conversando é muito difícil pra mim. Fica entediante demais. Preciso sempre estar fazendo outras coisas a maioria das vezes.
E isso não só com amizades, mas homens também. E familiares. Talvez eu realmente goste de gatos porque eles são quietos e ficam ao meu lado, sem que eu tenha que me mexer muito ou perceber a sua presença. Eles estão ali, ficam comigo, e não é exigido muito esforço. Não preciso sorrir, brincar, passear, nada. Simplemente chego, sento, alimento, e eles deitam ao meu lado. Bom, não sei.
Tenho dificuldades em ser fiel a alguém. Se eu sou, eu o amo. Muito. Porque significa que somente a sua presença me é suficiente. E isso me levou a ser infiel muitas vezes, falsa, mentirosa. Levou-me a magoar pessoas de quem eu gostava. Gostava. Gostava um pouco. Muito embora elas gostassem muito de mim. E também me levou a muito sofrimento, pois quando eu gostava da pessoa, eu gostava muito. Eu me entregava totalmente. Faria qualquer coisa para ficar ao seu lado, mas nunca foi recíproco. Talvez uma única vez, mas o ciúmes, as brigas e nossos temperamentos não nos deixaram seguirmos o mesmo caminho. Ou porque a pessoa sabia de meu passado "negro" e não confiava em mim, ou porque eu me entregava tanto que a pessoa se sentia muito segura e acabava enjoando de mim. Enfim, essas coisas eu não sei. Fato é: nunca fiz planos com ninguém. Planos de longo prazo, médio prazo. Estou cansada de ser tão autônoma e sozinha. Quero alguém para compartilhar minhas alegrias, mas também meus pesares. E o peso desta vida. Quero que seja recíproco.
Estou cansada.
Escrever tudo isso está me deixando confusa, Leandro.
Espero que não se assuste.
Te vejo em nossa próxima sessão, espero que a terapia agora faça mais sentido.
Muito obrigada
A.L.