A IDEALIZAÇÃO MÁGICA

“Espero aprecies a Poesia, que há mais de quarenta anos é a minha paixão diuturna, hoje buscando visualizar o seu inusitado entorno entre a realidade e a farsa de viver o idealizado, em tempos de circulação virtual. Talvez por saber que na Poética a criatura se torna mais doce e mais condescendente com a sua peculiar condição humana, por se sentir vário e fragmentado... Espero venhamos a exercitar a Confraternidade, bem maior entre os condenados a conviver neste plano terrestre. O ‘beijo de luz’ – de que falas para saudar o meu ingresso em teu círculo de amigos – ressaltando, talvez, a possível espiritualidade existente, poderia clarificar a minha simplória dimensão como ser, e exporia o poeta ao “alumbramento”, como diria Manuel Bandeira. Agrada-me o “estranhamento” que a própria vida propõe. Prefiro os recantos escuros, em que sou apenas a larva da vida, aquela que nos faz invertebrados e, pela natural metamorfose, aptas ao voo curto e sinuoso: borboleta que nos permite ver de cima, rasantes em círculos, mesmo que tudo muito limitado, por ínfimo ângulo de visão. Deixemos o voo em altura para os que pretendem alçar-se além da precária condição humana, por sábios, e consequentemente excluídos do lugar comum. Mais perto do solo – que é onde me arrancho – a vida é mais fecunda... Joaquim Moncks.”

Amigo Moncks! Só agora percebi a tua mensagem, pois estava de babá do meu neto Murilo, que já parece manifestar o desejo de poetar, quando com apenas dois meses e dezesseis dias, balbucia sons que parecem estar repletos de conteúdos, que somados à doçura de seu sorriso encantam o momento mágico de seu olhar. Sinceramente, não sei qual o texto mais lindo dos que até agora escreveste. Sem dúvidas que tenho alçado voos inusitados, saboreando cada palavra, cada pensamento, adornado pela criatividade da tua imaginação. Eu acredito que após atingirmos a maturidade psicológica, espiritual e também poética, a armadura que sobrecarregava nosso viver cai por terra com todas as máscaras metafóricas, permeadas de instintos maquiavélicos e sutis. Voltamos várias vezes às origens, com todos os seus fragmentos, conflitos e faltas. E nesta regressão tresloucada de um tempo que já se mumificou na lembrança, nos despimos dessa roupagem totalmente ilusória. Nascemos para uma dimensão estética e dialética, passando a configurar um novo olhar mais criterioso, mais sensato, mais pueril. Sobejamente, Manoel Bandeira se expressou com muita propriedade – o Estranhamento do mundo agrada, porque é composto de partículas de emoções que, juntas, são capazes de tecer a história de cada um de nós, como um acontecimento inédito e totalmente alheio ao mundo real, onde a imaginação do outro é capaz de construir uma idealização mágica, que vai desde a patológica à totalmente adequada e cabível. Mas nunca passará de imaginação, portanto irreal, refutável, descartável. Amigo, profundo e encantador o que escreveste: “Prefiro os recantos escuros, em que sou apenas a larva da vida,” Realmente, quem somos nós, o que somos ou o que pensamos ser nesse emaranhado jogo da vida, onde competem vaidades, oportunismo, engodos, discriminação, e principalmente tantas intervenções repletas de desmandos em meio a tantas ausências? Somos larvas sim, e sofremos todo um processo da descoberta e da transformação. Só atingiremos o voo tão esperado, se formos suficientemente capazes de nos exorcizar de todos os nossos fragmentos e detritos que, alimentados na solidão das noites geladas onde a angústia e a dor dizem: presente! Quando afirmo que o poeta não morre – vira estrela – é porque acredito que a larva ao se transformar em borboleta, alça voos inusitados e inatingíveis ao corpo físico, materializando-se em uma estrela brilhante, que embora distante, é impossível deixar de tocá-la, pois só o amor é capaz de diminuir as distâncias e tornar possível o impossível. Abraços. Marilú.

– Do livro O IMORTAL ALÉM DE SI PRÓPRIO. Joaquim Moncks / Marilú Duarte, 2013.

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