Em busca do Pernalonga

Em 2011 tinhas cinco anos e pediste-me um peluche do Pernalonga. Seria muito simples para mim pois sabia onde encontrá-lo e com máxima facilidade. Bastaria comprar e entregar-te. Mas resolvi que não seria assim. Pus-me a olhar sério para seu lindo e inocente rosto e respondi:

- Um Pernalonga, Bibi? Humm… não vai ser fácil. Teremos que ir à procura dele nesta cidade. Vamos procurá-lo?

Bem, o que fiz em segredo foi o seguinte. Tinha assuntos a resolver pela cidade (uma conta a pagar, uma compra simples, etc) e levava-te comigo. Íamos de mãos dadas ou às cavalitas. Mas dizia que estávamos à caça do peluche desejado. Em tom de confidência, dizia-lhe:

- Gabi, fique de olho nas montras. Se vires o Pernalonga, diga. Eu estarei atento também.

Transformamos estas caminhadas, que seriam simples deslocações à pé, em interessantes buscas e intrigantes caçadas pela cidade.

- Vamos entrar aqui. Pode ser que ele esteja - e entrava em lugares impossíveis de encontrar o bichinho. Eram, por vezes, drogarias, lojas de tecidos, farmácias, o que ia dando um tom de dificuldade, e, desta forma, o Pernalonga valorizava-se cada vez.

Quando entrávamos por uma destas lojas, eu dizia em tom de mistério:

- Vás por ali e veja se vês algo; eu irei por aqui - e ficava de longe, te observando com carinho. Encontrávamos em seguida e perguntava-te:

- Viste algo?

E tu, com uma espécie de decepção no rosto que não tocava à desilusão:

- Não. Ele não está aqui.

- Vamos continuar em outra loja. Vamos embora; nós vamos encontrar o Pernalonga, Bibi. Temos que o encontrar. E quando o encontrarmos, vamos dar-lhe um grande abraço!

- Siiiim !

Numa destas lojas a senhora proprietária estava à porta. Vínhamos de mãos dadas e ela viu-te e se encantou com sua beleza e doçura. Lembro-me de tu, Gabi, perguntar-lhe de forma espontânea, aproveitando a oportunidade inusitada:

- Tens o Pernalonga?

A doçura foi prontamente correspondida com um sorriso e uma resposta negativa.

- Não tenho. Que pena!

Determinei que seriam dois dias nesta brincadeira que se transformou numa saga, por mais simples que possa aqui ser dita. Éramos eu e você somente, como num filme, um desenho de aventuras a procura de um tesouro.

À noite, deitamos a falar sobre o assunto, entre tantas coisas que falávamos antes de cerrar os olhos, da caça ao Pernalonga, seu misterioso local onde poderia estar. Geramos um sonho e uma determinação.

Acordamos no dia seguinte e partimos em busca pela cidade. Aquilo estava muito bom para acabar e decidi que atenuaria só um dia a ida até onde sabia encontrar o peluche. Assim se passou.

No terceiro e decidido dia disse-lhe com voz firme.

-Gabi, isto está demais! Temos que fazer diferente. Vamos pegar o carro e vamos ao Porto. Aqui sabemos que ele não está.

Seus olhos brilharam de alegria e a voz libertou um “siiiim”. Passamos de meros investigadores a desbravadores astronautas em sua nave espacial em direção a um planeta distante. A partir de Braga seguirmos pela autoestrada número 3 rumo ao Porto. Atravessamos o Rio Douro e fomos dar à Toys´R´Us, a grande loja de brinquedos que você reconheceu no momento em que entramos no estacionamento. Sabes que ajudei a construí-la quando cheguei a Portugal em 1993, ainda em obra? Jamais imaginaria que do meu suor físico ali entregue estaria dando contribuição para que realizássemos uma aventura quase duas décadas depois.

Saímos do carro e caminhamos em direção à porta. Mais uma vez, disse-lhe as palavras em tom de estratégia:

- Gabi, é aqui que precisamos estar atentos, muito atentos. É bem possível que ele esteja a nossa espera. Vamos com atenção.

Entramos e orientei que nos dividíssemos. De soslaio, fiquei observar-te. Nada parecia sair de sua atenção, seu foco ao Pernalonga. As Barbies e casinhas naquele dia ficaram em segundo plano e nem tocadas foram. Muito compenetrada ias caminhando pela vastidão daquela bonita loja. Dei o último golpe, sabedor que aproximávamos do setor de peluches:

- Aqui não está. Já olhei tudo. Temos que achar o Pernalonga! Vamos por ali – e invertemos o caminho em direção ao setor que queria.

Numa das bancas, em razão da minha altura avantajada, visualizei em silêncio inúmeros e iguais Pernalonguinhas de 40 centímetros, e pasme: vestidos de Indiana Jones! Afastavam-se um pouco do original que Hanna Barbera criou , mas couberam tão bem dentro daquela nossa fantasia! Talvez não hajam mesmo coincidências.

Aproximei-me de ti e entusiasmado, disse:

- Veja tudo com atenção. O primeiro que encontrar, avise – e fui “empurrando-te” para o lado da prateleira de Pernalongas. Estavas a dois metros dela quando ouvi:

- Papá! Ali ! O Pernalonga! Encontramos!

Adorei quando você disse “encontramos”, no plural, e nos abraçamos. Abraçamo-nos muito, com a alegria de juntos realizado, após tanto trabalho, a descoberta.

-Pega um, Bibi!

Você passou a mão num deles e pôs-se a olhá-lo com enorme alegria, a alegria diferente das crianças.

Algo tão banal, tão barato para meus bolsos naquela época haveria de se transformar num dos ícones de minha memória.

Voltamos para a casa.

A conduzir pelo caminho comentamos sobre os locais por onde passamos e as lojas que estivemos à procura do misterioso e sorridente Perrnalonga, que agora ia ao seu colo, no banco traseiro do carro. Em verdade, apenas desejei que minha essência ficasse agarrada ao Pernalonga. Que todas as vezes que o carregasse, estivesses levando-me às mãos.

Um beijo com Amor.

Papai

Belo Horizonte, 10 de junho de 2013.

Dalmir Lott
Enviado por Dalmir Lott em 10/06/2013
Código do texto: T4334281
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