A LEITURA DO MUNDO

Estimada Marilú! É o que observo em ti: uma fortaleza de causar inveja aos invejosos. Sabes, por certo, que te quero muito bem. Admiro a mulher, a mãe, a escritora, a fotógrafa, a profissional da psicologia, do direito e das letras, possuidora de talento ainda não revelado, pedra preciosa da criação ainda por brilhar ao grande público. Sei-te amante dos que gostas e de quem gostas. E percebo que sempre me tratas como uma criatura especial: aquelas capazes de morar no teu coração. E a recíproca é mais do que verdadeira. Grato, muito grato pelo teu reiterado carinho de tantos anos. Sou, enfim, um anônimo admirador que pouco relata, mas que muito prazer sente em te saber preciosa. Nada como ter bons leitores. São adivinhos. Sempre buscam as profundezas, através de leituras conexas, mesmo que os textos nem tenham esta destinação ou expectativa... E é isso o que fazes com os meus pobres textos. É cativante tratar com talentos de primeira como tu, que tens e o és. Eu me sinto feliz em ter-te como assídua leitora. E percebo, também, que estás fugindo ao lugar comum da vida (como escriba), já que, em cada linha do que se lê, fica perceptível a facilidade com que estás a manipular o sentido e o saltitar dos mistérios entremeados nos vocábulos, os frutos amadurecidos do rolar mundo e perseverar nos domínios da Palavra. Também peço escusas pelas horas ocupadas nos teus redutos de descanso e solidão produtiva ou de ócio criativo, como diria o italiano Domenico De Masi, que tem se preocupado com o tema da ociosidade destinada à criação literária, dentre outras de igual valor. Sim, vou tomar do bom vinho e concelebrá-lo no saudar a vida, no dia do lançamento de teu livro “Revoar de Sonhos”. Hosanas à amizade! Joaquim Moncks.

Amigo Moncks. Espero que estejas a degustar o vinho tal como se saboreia a vida, independente do seu gosto acre-doce ou amargo. Creio que foi a amargura e a dor sentida e não compartilhada de um caminho sem volta, solitário, muitas vezes vazio de expectativas, que me oportunizou a leitura do mundo de uma forma poética, sem rituais ou estratégias específicas. Preciso viver... Esta foi a minha realidade. Preciso para isso – custe o que custar – resgatar a consciência de que o abandono pode ser a alavanca-mestra, ou a força para intervir, processar e reelaborar um novo caminho. Tive a audácia de ser registradora – profissionalmente – substituindo, no serviço público cartorário, o meu marido, quando de sua passagem para outra vida, sem sequer conhecer a fundo todo o processo da repartição. E assim consegui, em cinco anos, concluir a minha missão. Tive a audácia de fotografar e expor no Brasil e no exterior, sem sequer conhecer como uma máquina fotográfica funciona, apenas clicando, como se clica a vida em suas nuances, modificando, reorganizando, recuperando. Ora tornando-a mais clara, ora a escurecendo sem estar escura, ora tornando mais brilhante, sem sequer haver o brilho. Tive a audácia de editar livros, sem mesmo conhecer a literatura, sem estar pronta ou madura. Tive a petulância de ser poeta, sem escrever poesia perfeita ou um encantador soneto. Utilizei o que escrevia para encontrar dentro de mim um aconchego, preenchendo o vazio que carrego na alma. Fiz da poesia, da reflexão uma terapia capaz de convencer a mim mesmo, de que esse era o caminho. Tive a audácia de preparar e aceitar convites para palestras de autoajuda, no Estado e fora dele (Minas Gerais, Brasília, e no exterior, México e Cuba), sobre diversos assuntos do dia a dia, que envolvem os relacionamentos e a participação do homem se inserindo, de forma arrebatadora, num mundo cibernético e totalmente desconhecido, sem sequer ter competência e psicologia sedimentada. Tive a audácia de organizar grupos de jovens sob a minha direção e grupos infantis, onde atuei com peças de teatro infantil e fantoche, sem sequer conhecer o lado criativo e a técnica da arte teatral. E, por fim, tive a audácia de levar a ti um livro para prefaciar, sem sequer entender que eu ainda não estava pronta. Amigo, realmente fui muito audaciosa. Mas não me arrependo, pois no picadeiro da vida, somos todos palhaços de um circo em movimento, que se fragmenta e se recompõe da mesma forma como o amanhecer e nem por isso deixa de ser mágico e encantador... Somos todos filhos de um universo que, às vezes, sem um toque ou sem um verso, perde a rima, o tom, a cor e o som. E por fim, obrigada, por me tratares com tanto carinho, entendendo todas minhas nuances, dificuldades, deficiências, mas, sobretudo, este espírito guerreiro que me habita: não cansa, persevera, cria, inova e dança no ritmo desejado por uma sociedade consumista, oportunista e intimista. Marilú Duarte.

– Do livro O IMORTAL ALÉM DE SI PRÓPRIO. Joaquim Moncks / Marilú Duarte, 2013.

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