Momentos chave da minha vida

Foram poucos os momentos marcantes na minha vida, mas foram importantes. Cada um, a seu tempo, executou uma dança num passo marcado para se findar com a minha surpresa, admiração ou repulsa.

Quando eu era criança, na primeira comunhão não compareci à minha primeira confissão. Não sabia o que dizer e nem como dizer, por isso não fui. Foi então, remarcado para outro dia, em outra igreja, essa bem maior e no centro do Alcântara, ou seja, na cidade, com carros, trânsito, lojas, coisa que nem de longe tinha na igreja Santo Antônio onde eu fazia a primeira comunhão, com estrada de chão batido e esgoto a céu aberto. Eu me lembro como se fosse hoje; eu cheguei e o padre me disse para esperar um pouco. Eu sentei num dos bancos da igreja e fiquei tão extasiado com a quietude e amplidão do lugar (era um sábado ou domingo de manhã e não tinha ninguém lá) que não pensei em nada, não revisei o meu discurso para falar para o padre. Eu tinha planejado, até hoje lembro, falar das vezes em que briguei com a minha irmã mais nova, Alessandra, que na época era praticamente um bebê, um pouco crescida, já andava e falava, mais ainda assim, um bebê. Aquela ideologia da igreja de que nós somos pecadores e que tínhamos que nos arrepender de nossos pecados junto a Jesus Cristo me parecia antiquada e, principalmente, sem sentido, como vejo até hoje, aliás. Eu não via, o que eu tinha de confessar para o padre além das eventuais brigas com a minha irmã e não importava o quanto eu me esforçasse, não vinha nada à minha mente. Chegou o momento da confissão e eu simplesmente não falei nada, fiquei mudo. Depois de uns minutos, que pareceram uma eternidade, o padre se afastou do confessionário e me deixou ali sozinho. Eu não sabia o que fazer e depois de algum tempo, fui embora também. De silêncio para silêncio nos comunicamos de alguma forma, embora eu tenha certeza de que não foi o que ele esperava. Fiz minha primeira comunhão normalmente e obtive o meu certificado para comungar sem maiores problemas. Mas ficou a impressão de que faltava alguma coisa. Acho que só fui curar essa alguma coisa, há pouco tempo atrás, quando passei a me confessar na igreja Santo Antônio, coisa que já não faço mais. Tanto é que não me confessei depois disso e mesmo, muito tempo depois, quando já jovem eu participava da crisma, eu não compareci ao dia da confissão e não pude completar a minha crisma. Enfim, acho que ficou uma ferida aberta entre mim e a igreja, durante um bom tempo.

Quando eu já era adolescente, ganhei um prêmio de 2º. Lugar num concurso de romances literários escritos pelos próprios alunos no colégio. Mas o prêmio em si, não me marcou muito, o que veio depois é que foi o marco. Atingi certa notoriedade, se é que posso falar assim, dentro do colégio, porque o professor que foi me entregar o prêmio, na frente do colégio inteiro, as turmas todas reunidas no pátio, teceu elogios imensos à minha pessoa. Disse, inclusive, coisa que eu realmente não me recordo, até hoje, de ter acontecido na minha vida, que eu era um líder de turma, que todos me viam como exemplo dentro da sala.

Como resultado da notoriedade, uma moça da minha turma, veio falar comigo, que queria me namorar. Já era final de ano letivo e restavam poucas aulas, quando a gente começou o que já começou pelo fim, na verdade. Ela tinha um outro pretendente de uma turma mais adiantada e acabou ficando com ele. As dores com esse começo de romance só fui curar, ou melhor, continuar com as dores, num outro marco da minha vida no ano seguinte que passo a narrar agora.

Eu tive uma paixão avassaladora por uma menina de um curso de desenho que eu frequentava no ano seguinte. Fui descobrir que ela estudava no mesmo colégio que eu, semanas depois de ter pedido uma foto dela para desenhar. Ela era muito bonita e eu de uma turma um ano adiantada. Fiz a besteira de mostrar a menina a um amigo, dizendo que eu gostava dela, mas que eu não tinha me declarado ainda. Pra que? O amigo me roubou a namorada que nunca foi minha, na verdade. Foi marcante para mim na época e eu me curei com muito desenho (a menina parou de frequentar o curso de desenho) e estudo, além das histórias-em-quadrinhos de super-heróis, que nessa época, eu devorava.

Um pulo até o final da minha juventude, quando eu já estava do meio para o final do curso de Desenho Industrial na faculdade. Acho que tudo começou pelo interesse de uma moça por mim. Ela não se declarou, mas havia um clima entre nós dois. Logo depois ela começou a namorar um estudante do curso de pintura, o que me deixou abalado. Certo dia eu estava voltando para casa no centro do Rio e descobri que não tinha dinheiro para voltar para casa, tinha gasto. Fui tentar telefonar para meus pais, mas o cartão que eu tinha estava com defeito e não pegava no orelhão. Eu estava confuso, não sabia o que fazer. Comecei a ter pensamentos absurdos. Numa certa rua, vi um homem saindo do seu carro e pensei: “faça alguma coisa que valha a pena na sua vida, roube um carro.” Eu estava realmente fora de mim. E numa outra rua, quando vi um casal passando um envelope entre eles, pensei: “vou pegar o envelope pode ter um cartão de telefone lá.” Num átimo de ação, eu peguei o envelope quando estava passando de mão em mão e sai correndo. O rapaz gritou: “Só tem documento!!!” Eu voltei e entreguei o envelope. Depois fui andando como se nada tivesse acontecido, mas um policial veio e me deu dois tapas no ouvido e me algemou. Fui parar na delegacia, algemado ao pé de uma mesa. Felizmente não fiquei preso nem tive ficha na polícia, afinal eu tinha devolvido o envelope, tecnicamente não tinha feita nada, a não ser perturbação da ordem. Essa moça que eu gostava foi chamada porque eu tinha direito a dois telefonemas, ela veio com o pai dela que era ex-delegado e eu fui liberado. As dores desse episódio perduraram durante muito tempo e eu não sei se curaram até hoje. Ainda tenho pesadelos onde eu sou preso às vezes. Mas fez parte da cura, o processo do projeto final para a faculdade, para me formar, que me absorveu muito.

Eu me formei na faculdade e muito tempo depois, tive um surto em casa, quando não deixei que meu pai entrasse em casa. Aí eu fui internado numa clínica psiquiátrica. Foi muito ruim. Tomei até choque elétrico. Tinha um efeito colateral dos remédios, que me fazia ter meleca em todo nariz a toda hora, impedindo a minha respiração. Fiquei com esse problema até depois de já ter saído de lá. Nesse tempo eu estava no Mestrado em Ciência da Arte da UFF, que eu não completei. Também frequentava a Igreja, na Conferência Dom Bosco da Sociedade São Vicente de Paulo e fazia muita caridade. Foi nessa época que eu também não consegui a minha crisma e que também fui despedido como professor de desenho de história-em-quadrinhos no mesmo Curso de desenho que eu já tinha sido aluno. Essas frustrações todas, foram me minando e eu acabei internado, como aconteceu. Depois que eu sai da internação muitas coisas mudaram, eu me tornei anarquista e participei de um grupo de estudos do movimento na UFF. Arrumei uma namorada, coisa que eu nunca tinha conseguido. Passei a vender livros anarquistas numa banca e depois em eventos. Eu me tornei neossanyasin do OSHO e obtive até um novo nome. Muitas coisas mudaram mesmo. Essas mudanças fizeram parte do processo de cura.

Há dois anos atrás eu tive minha segunda internação em clínica psiquiátrica. Discuti com meu pai de novo. Dessa vez não tive tantos problemas porque fiquei numa instituição particular, pago pelo plano de saúde. Mas mesmo assim, ser tirada a sua liberdade pessoal não é nada bom. Eu que já tinha decidido me tornar artista e escritor em tempo integral, quando sai de lá, amadureci a ideia e continuei com ela.

Esses são os momentos chave da minha vida nesses anos. Talvez haja alguns mais, mas eu não me lembro agora. Cada um teve uma repercussão e um desenrolar ao longo dos anos de modo que me marcaram muito.

(Carta dirigida à oficina de escrita terapêutica)

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)
Enviado por Mauricio Duarte (Divyam Anuragi) em 03/06/2013
Código do texto: T4323426
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