Como o mundo me parece

O vizinho volta e meia, coloca um som de funk alto prá caramba que faz até as janelas da minha casa balançarem. Eu não consigo meditar, porque a cadela fica solta por toda a casa. Eu tenho que tomar um remédio todo dia para psicose e as únicas saídas minhas de casa para a rua são para a psiquiatra e a psicóloga. Eu estou com ressecamento nos olhos e eles piscam insistente e repetidamente enquanto eu tento andar na rua ou terminar uma tarefa no computador. O mundo assim parece um circo de horrores. Mas não é.

Muito do que acontece conosco é fruto do nosso interior, é nisso que eu acredito. E, na verdade, essa crença não está muito distante da realidade. Senão vejamos, eu posso fechar a porta quando o vizinho coloca a música de funk nas alturas e me desligar do barulho que resta, lendo um livro, por exemplo. Eu posso negociar com a minha mãe e o meu pai, para trancar a cadela momentaneamente em um lugar para que eu possa meditar. Eu posso me conscientizar de que o tratamento de psicologia e psiquiatria é para o meu bem e, posso aproveitar as minhas saídas para esses dois atendimentos e dar uma escapada num centro cultural ou numa praça depois da consulta. Eu posso me tratar dos olhos e eliminar grande parte do incômodo de piscar os olhos toda hora. Afinal de contas, o mundo não parece tão ruim agora, não é?

Apesar disso tudo, existem coisas com as quais não se pode argumentar nem mudar. É preciso resignar-se a elas. Como escritor, poeta e artista plástico eu vivo mexendo com papéis, digitações em PC, telas, tintas, pincéis. Isso tudo é muito bom, mas tem seus preços a pagar. Na maior parte do tempo o trabalho é solitário e eu não tenho com quem dividir o trabalho, a não ser quando ele já está pronto. Aí posto na internet, nas redes sociais que faço parte. Mesmo isso, eu talvez pudesse mudar, fazer um vídeo com um making off da minha produção artística, por exemplo. Mas um vídeo desse tipo seria fortuito, feito uma vez por ano e não me daria nenhum retorno de relacionamento pessoal a curto prazo. Não, não tem como mudar, o trabalho do escritor e do artista é solitário, por natureza. E eu tenho que conviver com isso, da melhor maneira possível.

Meus relacionamentos estão restritos à internet atualmente e não tenho grana para sair de casa para uma festa, por exemplo. Nesse sentido, estou tendo progressos verdadeiros nas redes sociais que participo, fazendo amizades verdadeiras, mas que, até agora, restringem-se ao mundo virtual.

Embora isso tudo faça do cotidiano, algo não muito animador, o mundo me parece uma coisa emocionante. Eu posso lutar diariamente com as palavras e com as tintas. Posso rezar e meditar diariamente também, se assim me aprouver. Posso escutar música clássica na rádio, a hora que eu quiser e afagar a cadela quando ela vem me fazer uma festinha.

Enfim, o mundo não é tão ruim, basta decidirmos dentro de nossa consciência superior, aquela que está além da mente, que podemos ser felizes, apesar de toda infelicidade que nos é dada todo dia por esse mesmo mundo.

(Carta dirigida à oficina de escrita terapêutica, como pesquisa)

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)
Enviado por Mauricio Duarte (Divyam Anuragi) em 28/05/2013
Código do texto: T4314246
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