RESPOSTA

Vou ler sua carta quando tiver tempo. Minto, não vou ler enquanto estiver pensando sobre o modo como esta palavra se metamorfoseia quando submetida às altas temperaturas das forjas do poder. Forjas milenares constituídas, disseminadas como prostíbulos, tão indulgentes como levianas, consagradas, mitificadas. Forjas que se valem do obtuso e cego pensamento inerme de ferreiros que tendem a suportar para compartilhar um viés de consolo. Não vou ler sua carta enquanto não passar esse calor que invade minhas vísceras e faz arder os contornos do meu caráter. Se vergo e aponto meu nariz pro chão é porque dele vim e o quero como ele à mim, não temo a partida porque vivo como se já tivesse ido - e não porque seja conveniente pedir perdão e tomar o peso da cruz erguida, como sinal de obediência, por Jesus Cristo. Não, não leio sua carta. Um pássaro me disse que o Messias não agiu conforme ordens dadas, fora obediente à um princípio de pureza e elevação, aceitou pagar por faltas alheias como se fossem suas – porém por amor, foi elevado no madeiro sobre a terra para nos fazer lembrar que podemos, ao seguir seu exemplo de vida, morrer na leveza de seu espírito. Claro, como me dissera em outra ocasião, devemos sim aceitar nosso tanto que pra essa vida não se vem gratuitamente, é nela que se alça os primeiros voos, é o mundo um palco fascinante que constantemente se nos apresenta diverso, múltiplo e rico – vivo! Amo o mundo, não o despreze. Não leio sua carta enquanto puder silenciar suas lamurias que nela certamente estão. Quer admoestar instruindo? Comesse por cuidar de um cãozinho e vai perceber a gratuidade do Amor acaso ainda não tenha feito sentido suas próprias palavras.

Sua carta vai esperar que minha convicção areje os poros da minha fé. Fé é um artigo que tende à efemeridade, não é? A matéria que constitui “fé” segue as configurações e os contextos. Sua carta vai esperar pelo instante que meu espírito puder destinar a porção de fé que venho cultivando nesse vaso e, então, eu possa arriscar me perder na cilada da palavra que vem me causando tanto espanto. Sei que não vai me perdoar porque não vai entender. Para tanto seria preciso que você estivesse aqui, agora que me sentei na escada do jardim interno para encontrar o caminho de uma lágrima necessária qualquer que renovasse meu ânimo. Se estivesse aqui teria visto um casulo desfeito, e uma borboleta de azas úmidas lutando pela vida, dando ao ar seus foles coloridos e ainda murchos num frágil instante de puro medo.

“Tão suave brisa leve, doce espírito”, voe. Amo essa borboleta como se ela, amanhã, pudesse ser a mão estendida a mim. Sua carta ficará intacta e muda, como uma pedra angular esquecida que não edificou igreja.

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 08/05/2013
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