Querido amigo

Caro Tempo,

Lembrei-me de ti, quis saber com estavas e resolvi escrever, contar-lhe como andam as coisas. Faz alguns anos que não me apercebo de sua presença, nos distanciamos, pois és muito atarefado, corrido, quase não mais tem disponibilidade para os amigos. Pois bem, estive pensando em como sinto falta em estar bem contigo, saber como passar e me divertir com isso. Decidi, então, relatar para ti como anda a minha vida, espero que depois de ler a minha carta, me retorne, com ótimas notícias.

Creio que seria um ótimo começo dizer-lhe que, agora, aqui, sentada assisto-me caducar todos os dias seguindo um roteiro circular que alimenta a minha velhice. Sinto o corpo reclamar, pedir vigor, mas o cansaço é tanto que alguns minutos de esforço causam estafa. Penso em épocas mais antigas, ótimas recordações, aquelas em que a disposição era o combustível do meu corpo, passar o dia em plena atividade e a noite preparar o corpo para as incansáveis festas, pura adrenalina. Que nostalgia, que desejo em voltar e poder reviver tudo de novo.

Recostei-me um pouco, "mocoronguei" na cama, quase deitei, olhos pesados, ardidos, coçando, acho que o sono está chegando, e cada dia ele chega mais cedo. Houve uma época em que cedo era meia madrugada, hoje, madrugada é madrugada, cedo é cedo. Antes do virar da noite, já sinto-me cansada de dormir, até isso cansa, dormir, um descanso cansativo, ou um cansaço descansado.

É coisa da idade, mesmo. Uma dorzinha aguda que aparece do nada e se aloja para sempre em meu ombro, bursite, tem até nome bonito, bur-si-te. Parece até tensão pré menstrual, surge do nada, mas incomoda, incomoda tanto que parece a dor de uma vida inteira, estalei, sumiu.

Ajeitei os óculos, com o passar dos anos, a vista cansada, vista cansada, engraçado, parece até que enjoei de olhar para alguma paisagem, ou que aquela determinada paisagem cansou de ser olhada, desistiu do mundo, das pessoas, do que fazemos com ela, vista cansada. Sim, elas não são mais as mesmas, as vistas, quando não vestidas pelas lentes quase sempre manchadas pelas minhas digitais, faz-se necessário espreme-las, na tentativa de decodificar a imagem que me interessa, anos cruéis, sorrateiros.

Em minha face, vês os sinais da idade, olheiras, olheiras, baixos olhares.

Não sinta-se surpreendido, ao me encontrar, tenho o rosto mais maduro, talvez nem me reconheças mais. Garanto-lhe que apesar de todos esses anos que carrego, posso, ainda, ser ótima companhia. Posso certificar-lhe de que, apesar de todo meus vinte e três anos e sua senilidade, ainda tenho a essência de menina.

Favor, amigo, não demore a responder, não demore a olhar por mim, temo que a demora possa nos afastar mais, e ai, pode ser tarde, jaz.

FauS
Enviado por FauS em 04/05/2013
Código do texto: T4273619
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