INOFENSIVO
INOFENSIVO
Então eu me aproximo assim bem devagar, pé ante pé como se o som dos meus passos ou minha respiração fora de ritmo pudessem assustar você. Expresso um sorriso tímido que pretende minimizar a nossa costumeira falta de jeito e recebo de volta o mesmo sorriso encolhido, embora eu não saiba ao certo o que ele quer dizer ou até mesmo se não diz nada.
Trocamos palavras cordiais de cumprimento, fazemos comentários sem qualquer relevância sobre assuntos ainda menos importantes e logo eu me despeço, vencida por minha falta de coragem e pela ausência de emoções sólidas em seus gestos. Atrás de mim soam todas as frases que ensaiei nos últimos dias, as tentativas quebradas de atravessar essa distância que impusemos um ao outro.
Sei bem que já não há no mundo espaço para comédias românticas , além de que estamos velhos demais para encenarmos os respectivos papéis, mas é muito mais cômodo e indolor nos envolvermos neste jogo de egos em que trocamos acusações infundadas sem jamais ultrapassarmos nossos limites de segurança.
Afirmar que não tolero sua falta de esportiva nem suas súbitas alterações de humor é menos arriscado que abraçar você. Enumerar cada detalhe que desaprova em meu comportamento é mais confortável que abrir espaço em sua vida outra vez.
O que existe além das nossas demarcações de território?! Talvez a sensação de que é inofensivo te tocar como daquela vez em que apertei seu braço com força para lhe entregar meu copo vazio ou quando segurou minha nuca para falar mais perto do meu ouvido embora o som ao nosso redor não fosse tão alto.
E se ao menos por hoje nos vestíssemos de criança e esquecêssemos as muitas coisas que, embora sem desejar, aprendemos sobre a vida?! Abaixaríamos as armas, abandonaríamos as defesas e recuaríamos alguns passos... Um coro de vozes gritaria que estamos caminhando no sentido contrário ao progresso, mas, submersos em nossa nova infância, apenas tamparíamos os ouvidos e continuaríamos a correr com os pés descalços sobre o chão.