O campinho

Uma das melhores lembranças do tempo em que eu morei com o meu pai eram as tardes em que íamos todos para o campinho. Meu pai trabalhava a semana inteira, às vezes fora da cidade e só voltava no sábado à tarde. Nessas ocasiões ele entrava em casa, às vezes dava-nos um abraço discreto e dizia: --- Humm... Nego cheiroso... Que saudade! Assim eu sentia o cheiro do meu pai. Era um cheiro forte que estava impregnado em suas roupas, um misto de suor e desodorante barato. A sua barba, por fazer, roçava em nosso rosto e nos espetava, ele percebia e ria: --- Tá espetando é? Tá espetando? Vou fazer a barba depois. Dava um beijo rápido em Nalva, minha madrasta, e dirigia-se ao quarto onde guardava as suas tralhas. Pouco tempo depois saía, só de toalha, com sua barrigona a mostra e os peitos cabeludos. Antes de entrar no banheiro era perguntado se ia almoçar e na maioria das vezes dizia que sim. Entrava no banheiro e fechava a porta. Um clima de medo ficava no ar entre nós três: eu, Henrique e Sérgio. Sabíamos que quando ele saísse do banho ia sentar-se à mesa e perguntar o que tinha acontecido durante a semana, como foi a escola e tudo mais. Nalva anotava tudo num caderninho que era entregue em suas mãos após o almoço quando estavam a sós. Depois ele chamava-nos um a um e ia perguntando o porquê daquelas coisas. Vale ressaltar que não almoçávamos todos juntos, pois quando ele chegava já havíamos almoçado. Depois do interrogatório algumas vezes tínhamos a sorte de apenas sermos repreendidos assim: --- Dessa vez eu vou deixar passar, mas não pensa que eu esqueci não! Eu tô ajuntando! Eu tô ajuntando! Meu pai era um barato. Apanhávamos também, um de cada vez ia experimentando o sabor e o aroma da bainha de facão nas costas, nas pernas, nos braços. Gritávamos, esperneávamos, parecia que íamos morrer. Depois da surra e do momento triste ele ia dormir. Nas vezes em que não nos batia éramos os melhores amigos. Comíamos as coisas que ele trazia: requeijão, doces, rapaduras, que eu nunca fui muito fã, queijo, goiabada, ah! Meu pai, como eu te amo! Que boas lembranças eu descubro escrevendo este texto... Tinha vez que ele inventava, no sábado à noite, de sairmos todos juntos de bicicleta, cada um com uma, e ele com Nalva na garupa da monark. Aprendi a andar de bicicleta com meu pai. Com meu pai, sim! Ele ensinou a todos nós, um por um, no campinho. Domingo depois do almoço sentávamos todos à porta da rua a chupar cana ou laranja e ouvir nosso pai conversar com os vizinhos. Era muito divertido. De repente, um de nós corria pra dentro de casa desesperado a procurar algo, era sempre assim, como uma bola, uma pipa, uma linha ou um sapato velho, corria e perguntava o que eu já imaginava: --- a gente vai pro campinho é? Ao som da resposta positiva, ainda sem acreditar, corria ao meu pai para confirmar se ele havia deixado mesmo a gente ir ao campinho, o detalhe é que ele sempre ia junto. Assim a disputa maior era pela bicicleta branca, que era do meu primo e ficava lá em casa e era a mais nova. Um pegava a bola e as pipas e os outros as bicicletas, uma preta de marcha e uma branca, mais fácil de montar. Íamos todos juntos meus irmãos já sabiam montar mais ou menos e iam montados na frente. O campinho era um terreno abandonado enorme onde os ônibus faziam a curva e era cercado de cascalheiras enormes onde os tratores tiravam as pedras durante o dia. Um grande espaço para jogar bola, praticar exercício e correr. Depois de muitos gritos de desespero para que um dos meninos me deixasse montar nas bicicletas eles paravam, ao som da voz do meu pai: --- Deixa Adriano montar agora! Ele vinha segurava no guidom, me erguia e me falava com uma voz mansa e doce, que só existia nessas ocasiões: Adriano olha pra frente! Só pra frente e pedala. Não tenha medo! Eu dizia que ia cair, que ia me ralar, e ele com sua voz calma e macia continuava me acalmando e encorajando. Começava a pedalar e a bicicleta pegava velocidade, mas não caía. Era o braço do meu pai segurando na garupa da bicicleta com uma mão e me consertando com a outra. Uma hora quando eu menos imaginava ele me soltava e eu voava achando que ele ainda estava ali, confiante pedalava, olhava pra frente e ele gritava de lá: viu? Eu não falei que você conseguia, continua! Continua! É meu pai, eu continuei, aprendi a voar sem asas. Muito obrigado! Eu te amo. Hoje ainda eu procuro os seus braços aqui para me segurar e não me deixar cair. Muito obrigado, Deus, pela vida do meu pai, meu PAPAI.

Adriano Paulo dos Santos, filho de Geraldo Paulo dos Santos, Gel.

Adriano Paulo
Enviado por Adriano Paulo em 19/04/2013
Código do texto: T4249051
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